Mais da metade das indústrias brasileiras já teve ou deve ter seus negócios externos afetados pelas medidas protecionistas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A percepção é mais forte entre as indústrias cuja exportação representa de 10% a 50% do faturamento. Nesse universo, mais de 80% apontam que sofreram ou devem sofrer impactos. Nas categorias de bens intermediários e de bens de capital, mais de 50% das indústrias consideram que devem ser afetadas.
Essas são algumas das conclusões de análise de respostas a quesitos especiais da sondagem industrial feita pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Participaram 830 empresas, com respostas coletadas de 1º a 25 de abril.
Foram dois quesitos especiais. O primeiro foi para saber se a política econômica de Trump afetou ou vai afetar os negócios externos da empresa em 2025.
Os dados mostram que 12,2% das indústrias de transformação pesquisadas já sofreram efeitos das medidas e outros 39,9% consideram que devem sofrer algum impacto, numa fatia conjunta de 52,1%. Entre as indústrias que exportam de 10% a 50% do faturamento, as taxas são de 19,7% e 60,4%, nessa ordem, num total de 80,1% de empresas que estão sendo afetadas ou devem ser afetadas.
A pesquisa foi feita antes da aparente calmaria das últimas semanas, com a perspectiva de negociação entre Estados Unidos e China na busca por um acordo tarifário. Na sexta-feira, porém, Trump voltou com promessas de novas tarifas. Desta vez o alvo foi a União Europeia, para o qual defendeu imposto de importação de 50% a partir de junho. A medida foi adiada para 9 de julho após os europeus prometerem acelerar negociações.
A pesquisa mostra o quanto a política tarifária de Trump afeta a percepção dos negócios das empresas, não somente pelo eventual acirramento de conflito comercial entre Estados Unidos e China, mas também pela incerteza em relação à abrangência dos impactos nas cadeias globais de produção, diz o economista Stéfano Pacini, pesquisador do Instituto FGV Ibre.
Mesmo a parte da indústria que exporta menos, até 10% do faturamento, também receia o efeito das tarifas de Trump. Nesse grupo 9,9% dizem que já estão sendo afetadas e 55,8% consideram que devem ser afetadas. Nas empresas cuja exportação alcança mais de 50% do faturamento, as taxas são de 9,1% e 46,7%, respectivamente. Total de 15% das indústrias pesquisadas respondeu que não têm sido nem devem ser afetadas. “Se não houver mudança nesse cenário de política tarifária, grandes e pequenos exportadores serão afetados”, diz Paccini.
Para José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior (AEB), a pesquisa mostra que, cedo ou tarde, a maior parte das indústrias sabe que será afetada. “Há ramos da indústria com longas cadeias de produção. Mesmo quem não exporta diretamente, fornece para quem exporta e em algum momento sofrerá impacto”, comenta. Castro ressalta que fora algum comércio específico, como o de veículos com a Argentina, a indústria brasileira mira grandes mercados, como Estados Unidos, Europa e China, regiões que participam da disputa mais difícil de tarifas.
As respostas por categoria de uso, destaca Pacini, mostram que a percepção de maior impacto na indústria de bens intermediários. Nessa categoria, 14,9% indicaram que já foram afetados e 57,4% deve ser impactados. Para o pesquisador, isso reflete a política de Trump com alvo no aço e alumínio brasileiros. A indústria de metalurgia e de produtos de metal, observa, é forte exportadora de intermediários. Bens de capital também apontam efeitos, com 5,3% já afetados e 52,5% que devem sofrer efeitos.
A segunda pergunta da pesquisa foi para saber como as políticas de Trump têm afetado ou vão afetar os negócios em 2025. Nesse quesito, o canal de transmissão mais apontado foi o do aumento de custos de importação, por 37,8% das indústrias pesquisadas. Por fatia de exportação, 41,8% das que embarcam até 10% do faturamento apontam a alta de custos, seguida de 31,1% das que têm 10% a 50% do faturamento na exportação.
A pesquisa também mostra, aponta, Pacini, que há grande incerteza, já que 37,5% das indústrias pesquisadas considera que ainda não está claro como a empresa será afetada. A dúvida parece generalizada, com 40,9% das que exportam até 10% do faturamento e 42,1% dos que exportam mais de 50% do que faturam.
Por categoria de uso, são os setores ligados a investimentos que mostram mais incerteza. A indústria de bens de capital, que produz máquinas e equipamentos, ressalta Pacini, tem 61,9% dos pesquisados que apontam que não há clareza sobre como serão afetados. Bens não duráveis vêm depois, com 42,2%.
Em outras categorias de uso, a forma de transmissão dos efeitos da política de Trump é percebida no aumento de custos de importação, com 51,8% dos respondentes da indústria de bens duráveis e 45,6% no segmento de bens intermediários.
Para Welber Barral, os dados mostram a preocupação dos segmentos de bens de consumo duráveis e de bens intermediários em relação ao impacto das tarifas nos custos de importação de insumos. Barral. “Os produtores de bens de consumo duráveis são grandes importadores de partes e peças”, diz.
Já os bens intermediários, lembra, são a categoria de uso mais importante dentre os desembarques brasileiros. Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex/Mdic), os intermediários representaram 59,6% de todo o valor importado pelo Brasil em 2024. A incerteza apontada pelo setor de bens de capital, que não sabem como devem ser afetados, diz ele, está relacionada em grande parte às negociações sobre a tarifa do aço, importante insumo para o setor.
Segundo a pesquisa, apenas 3,3% das indústrias pesquisadas apontam que pode haver ganho de competitividade internacional. A parcela pequena, avalia Castro, da AEB, mostra que a percepção geral é de que ninguém deve ganhar com o acirramento dos conflitos tarifários. Eventuais ganhos, diz, tendem a ser pontuais e podem ser fugazes, dado as mudanças constantes nas medidas de Trump.
“As respostas da pesquisa traduzem o aumento da insegurança para todos os setores em relação ao custo de importação de insumos e o desarranjo internacional que pode derivar desse cenário”, diz Pacini.
Em análise sobre as tarifas de Trump, Igor Barenboim, economista-chefe da Reach, diz que a política do presidente americano tem objetivo de reduzir a dependência da china ao máximo possível. Os levantamentos disponíveis, aponta, mostram ainda movimentos muito tímidos nos preços dos produtos, indicando que as empresas ainda estão focadas em preservar sua presença no mercado e devem ver o que fazem com a margem, quando entenderem os efeitos nos custos, de fato.
Barenboim cita levantamento do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, divulgado em 9 de maio. Pelo estudo, as medidas americanas de fevereiro e março que elevaram as tarifas sobre produtos chineses em 20% tiveram impacto de 0,1% num dos principais núcleos de inflação que o Fed acompanha.
Barral ressalta que o que já tem movimentado as empresas que exportam de alguma forma ao mercado americano é a revisão de contratos que permeiam a cadeia de produção, inclusive envolvendo terceiros países. “Há uma grande demanda para revisão de contratos, com foco em cláusulas de força maior”, exemplifica. Os contratos, diz, estão sendo analisados para saber se essa cláusula está bem redigida e se as tarifas de Trump estão alcançadas entre os imprevistos por intervenção estatal que podem ser considerados como força maior. De olho em possibilidades de conflitos à frente, outra demanda que tem sido levantada pelas empresas, observa, é a da revisão das cláusulas de solução de controvérsias.
Fonte: Valor
Seção: Indústria & Economia
Publicação: 28/05/2025
28-05-2025 Indústria e Comércio
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