Em busca de modelos de negócios mais sustentáveis e sintonizados com a agenda ESG (práticas sociais, ambientais e de governança), grandes companhias do setor de mineração, metalurgia e siderurgia investem pesado em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I).
Apenas a Vale, bicampeã no ranking setorial do anuário Valor Inovação Brasil, aplicou no ano passado 1,73% da sua receita líquida — equivalente a R$ 3,6 bilhões —em projetos e programas de PD&I. Outras gigantes listadas nas cinco primeiras colocações — ArcellorMittal Brasil, Belgo Arames, Gerdau e Nexa Resources — trilham o mesmo caminho e destinaram recursos expressivos em setores ligados a inovação e pesquisa.
O alto volume de investimento faz sentido. A mineração brasileira ocupa lugar de destaque na economia nacional. Em 2023, o faturamento do setor foi de R$ 248 bilhões, cerca de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). Ao longo da cadeia produtiva, são 2,5 milhões de empregos na área.
Segundo o Ibram, as mineradoras brasileiras projetam investir US$ 64,5 bilhões no período entre 2024 e 2028, com destaque para a sustentabilidade das operações. Até 2028, a previsão do Ibram é que US$ 10,7 bilhões (16,6% do total) sejam aplicados pelas empresas em projetos socioambientais. A sustentabilidade perde apenas para os investimentos gerais em projetos de minério de ferro, que devem receber cerca de US$ 17 bilhões até 2028 (26,8% dos investimentos totais do setor), prevê o instituto.
“A inovação é uma alavanca poderosa para nos ajudar a atingir nosso objetivo estratégico de construir uma mineração mais sustentável”, afirma Rafael Bittar, vice-presidente-executivo técnico da Vale. A inovação se coloca como um dos pilares para o crescimento da mineradora e manutenção da competitividade no mercado, além de gerar valor compartilhado com as regiões onde estão instaladas as operações.
Para ajudar a moldar o futuro da mineração sustentável, os investimentos em inovação da Vale são divididos em temas como soluções de minério de ferro, mineração sustentável, transição energética e mineração circular, sendo que neste último o foco é a redução de desperdício e minimização do impacto ambiental dos processos industriais.
Entre as experiências da companhia em 2023 estão os testes para substituição do antracito, um tipo de carvão mineral, por biocarbono — produto obtido a partir da carbonização da biomassa, de zero emissão — nos fornos de pelotização (processo de transformação do minério de ferro) e metais básicos.
O briquete de minério de ferro, por sua vez, tem o potencial de reduzir em até 10% as emissões de gases de efeito estufa no alto-forno, possibilitando, no futuro, a produção de aço com zero emissão. “A inovação tem contribuído para seguirmos rumo à meta de zerarmos nossas emissões líquidas até 2050”, diz Bittar.
A inteligência artificial (IA) tem se colocado como importante aliada nos processos de inovação. A inteligência e a integração de dados por meio de programas como o Integrated Quality Management (IQM), que amplia os conhecimentos geológicos e otimiza trabalhos em campo, resultaram em ganhos superiores a R$ 1,75 bilhão para a Vale no ano passado. Algoritmos melhoram a performance no trajeto dos caminhões de acordo com a carga, o perfil da via percorrida e o tipo do veículo, reduzindo o consumo de combustível e melhorando a produtividade.
A ArcelorMittal, vice-campeã no ranking setorial, prevê que os investimentos em inovação e tecnologia proporcionem um impacto positivo de R$ 1 bilhão nos resultados da empresa até 2028. Para isso, foram mapeadas mais de cem oportunidades em diversas áreas, incluindo utilização de IA. Por meio do Programa iNO.VC, foram desenvolvidos protótipos como o primeiro micro-ônibus autônomo da América Latina.
“A inovação, ao tornar as empresas brasileiras mais competitivas e sustentáveis, contribui decisivamente para o fortalecimento da economia brasileira e beneficia o mercado, com produtos e soluções de alto valor agregado”, afirma Rodrigo Carazolli, diretor de transformação do negócio da ArcelorMittal Aços Longos e Mineração Latam.
A companhia, uma das grandes produtoras de aço no Brasil e que está entre as líderes do segmento no mercado mundial, investe globalmente mais de US$ 300 milhões por ano em projetos de PD&I nos países em que atua. “As grandes empresas possuem longas cadeias de valor e a inovação realizada por elas vai se desdobrando e alcançando também empresas de pequeno e médio portes, gerando um efeito em cascata”, completa Carazolli.
Outra gigante do aço, a Gerdau encerrou 2023 com receita líquida de R$ 68,9 bilhões. Deste total, a companhia investiu o equivalente a mais de 5% em inovação, área que envolve o trabalho de 300 colaboradores diretos. “A inovação desempenha um papel estratégico e abrangente na garantia de sustentabilidade do nosso negócio e na criação de valor voltado aos nossos clientes e à sociedade em geral”, diz Gustavo França, diretor global de TI e digital da Gerdau.
Segundo França, a companhia, fundada há 123 anos em Porto Alegre (RS), incentiva e promove a adoção de novas tecnologias que trarão benefícios em toda a cadeia de produção, com destaque para 5G e IA. Resultado de uma parceria entre a Gerdau e a Embratel, recentemente foi concluída a implantação da tecnologia 5G privada na unidade de Ouro Branco (MG).
A infraestrutura tecnológica, explica França, permite à empresa acelerar a implementação dos conceitos da indústria 4.0 em Ouro Branco, impulsionando automatização, produtividade, uso de dados e segurança nos processos, incluindo planejamento, produção e logística. “Com o suporte dessa nova infraestrutura de rede, a Gerdau planeja expandir seus investimentos em tecnologias avançadas, como veículos autônomos e telecontrolados, internet das coisas e inteligência artificial”, diz França.
Na Belgo Arames, líder brasileira na transformação de arames de aço, a inovação também é considerada pilar estratégico. “A inovação nos permite não apenas acompanhar as tendências de mercado, mas também liderar a transformação do negócio”, afirma o CEO da companhia, Rodrigo Archer.
Com uma política de forte incentivo à inovação interna e aberta, o investimento tem gerado resultados concretos, como o surgimento de startups corporativas e a adoção de metodologias ágeis, cujo impacto positivo é verificado desde a concepção de ideias até a consolidação de novos produtos e negócios. “Além disso, enfatizamos a importância de ‘aprender a aprender’, integrando o elemento de aprendizado em nossa cultura de inovação, preparando nosso pessoal para enfrentar os desafios emergentes”, explica Archer.
No último ano, mais de 1.500 colaboradores da Belgo Arames, cerca de 45% do total do quadro de funcionários, participaram dos programas de inovação da empresa. A participação ocorre em programas como o Venture Builder, que em pouco mais de um ano de atuação já lançou seis startups corporativas.
Uma delas é a Cerca Rápida, sistema que agrega novas tecnologias para otimizar e mecanizar a instalação de cercas rurais feitas de arame. Pelo método tradicional, um cerqueiro com dez quilômetros de extensão pode demorar até um ano para ser concluído. Com o Cerca Rápida, o serviço é entregue até cinco vezes mais rápido. Lançado no ano passado, o Belgo Cerca Rápida recebeu investimentos de
R$ 1 milhão e foi desenvolvido em um ciclo de 18 meses, incluindo pesquisas, testes e protocolos de segurança.
“Nossa meta é atingir oito mil quilômetros de cercas instaladas em cinco anos, equivalente a uma viagem de ida e volta do Oiapoque ao Chuí”, afirma André Ghion, diretor de marketing, inovação e estratégia da Belgo Arames. Outra startup corporativa, a 3D Part, desenvolve modelos de impressão de peças 3D em arame de aço para a indústria.
Em fase de pré-lançamento, a proposta da 3D Part é criar uma peça de forma mais rápida quando comparada à manufatura tradicional. A solução ainda é uma alternativa mais sustentável, pois gera menos resíduos. “Do jeito convencional, o descarte de aço na produção de peças pode chegar a 80%. Com a tecnologia 3D, cai para 20%”, diz Ghion.
Com receita líquida de US$ 2,8 bilhões em 2023, a Nexa Resources, uma das cinco maiores produtoras de zinco do mundo, destinou, no ano passado, US$ 8 milhões a PD&I. A empresa adota a inovação aberta, por meio da troca de conhecimento com universidades, centros de pesquisa, hubs de inovação, startups e empresas estabelecidas.
Um dos focos da Nexa é o aproveitamento da jarosita (resíduo da metalurgia de zinco), transformando-a em geopolímero, um substituto para o cimento. Cerca de 15 toneladas de jarosita já foram comercializadas. “Em um mundo onde a competitividade na indústria está cada vez mais acirrada, a inovação tem um papel fundamental: trazer novas soluções para reduzir custos, aumentar eficiência, crescer e, consequentemente, gerar mais empregos”, diz o gerente de inovação da Nexa, Caio Moreira van Deursen.
Fonte: Valor
Seção: Siderurgia & Mineração
Publicação: 06/08/2024
06-08-2024 Siderurgia & Mineração
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