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Indústria do aço no Brasil teme alta de importações com nova regra da UE para limitar pegada de carbono

O setor siderúrgico no Brasil teme que uma nova regra da União Europeia (UE), que vai entrar em vigor em 2026 e visa a evitar a entrada de produtos com alta pegada de carbono no bloco, acabe elevando as importações de aço aqui, acirrando a concorrência com o produto nacional. Por isso, quer que o governo brasileiro adote norma semelhante.

Nos primeiros quatro meses deste ano, o Brasil importou 1,747 milhão de toneladas de aço, 21,5% mais que em igual período de 2023. O temor da indústria é que essa trajetória de alta se amplie com a nova regra europeia. Se o aço de outros países ficará mais caro entrando na Europa, a tendência é esses produtores bucarem outros mercados que não têm leis ambientais tão rígidas, como o Brasil.

Em abril, o governo brasileiro anunciou a elevação da tarifa sobre importação do aço, para conter o avanço das importações, especialmente de produtos chineses.

A nova regra europeia se traduz no mecanismo de ajuste de carbono na fronteira (Cbam, na sigla em inglês), pelo qual os produtos importados pela UE terão de pagar uma taxa para entrar no mercado europeu, caso as emissões ao longo da sua produção sejam maiores que as dos concorrentes produzidos nos países do bloco.

 

A União Europeia estabeleceu a meta de reduzir as emissões de carbono em 55% em relação aos níveis de 1990 até 2030, e também alcançar a neutralidade de carbono até 2050. Para alcançar a sua meta a UE criou o Green Deal, uma iniciativa que propõe medidas para descarbonizar sua economia. Uma delas é o Cbam.

UE representa 8,3% das exportações de aço

A ideia é evitar o que os especialistas chamam de vazamento de carbono, ou seja, que as fábricas europeias transfiram suas instalações para países que não têm normas ambientais tão rígidas e, assim, possam continuar produzindo produtos com altas taxas de emissão de CO2. Com o Cbam, os produtos fabricados fora da UE terão de fazer o ajuste de fronteira e pagar pelas emissões.

Como isso tornará os produtos mais caros, a regra se torna uma barreira comercial. Se não quiserem pagar esse ajuste, as indústrias de outros países terão de implementar medidas para reduzir suas emissões.

Inicialmente, o Cbam será aplicado a importações de aço, minério de ferro, alumínio, eletricidade, fertilizantes e cimento. No caso do setor siderúrgico, as exportações para a União Europeia representaram 8,3% do total exportado em 2023.

"O mecanismo apresenta viés tarifário visando defender os produtores europeus da concorrência de produtos importados com maior pegada de carbono. Por se tratar de uma iniciativa, até o momento, unilateral da União Europeia, pode gerar o desvio do comércio de aço produzido com maior emissão de CO2 para outros países, inclusive o Brasil, caso o nosso governo não adote mecanismo similar", disse o Instituto Aço Brasil, por email.

Vantagem competitiva do Brasil é ignorada

Além de participar de consultas públicas na UE, o setor siderúrgico pleteia junto ao governo brasileiro que seja instituído mecanismo nos moldes do Cbam, para inibir o ingresso de aço no país com maior pegada de C02, e que seja criado um mercado regulado de carbono.

O instituto reconhece que as siderúrgicas perderão competitividade, especialmente porque no cálculo da pegada de carbono só são consideradas as emissões da fábrica, sem contar as fontes de energia.

Há três escopos que podem ser considerados para calcular emissões de CO2 de uma indústria: o que é emitido na fábrica (escopo 1), o que é emitido na geração de eletricidade usada nessa unidade (escopo 2) e o que é emitido ao longo da cadeia fornecedora (escopo 3).

— A ideia da UE com o Cbam é que suas empresas não tenham desvantagem competitiva em relação a concorrentes de outros países. Mas o Brasil tem uma matriz energética limpa. Se fosse considerado o escopo 2, o Brasil não estaria em desvantagem — diz Cornelius Fleischhaker, economista sênior do Banco Mundial.

O banco desenvolveu um índice para avaliar a exposição dos países ao Cbam. Ele considera entre as variáveis o volume exportado para o bloco e quanto seria pago para que esses produtos entrassem na UE. Os dados são de 2019.

Se consideradas as emissões do escopo 2, o Brasil estaria entre os países com aço mais sustentável do mundo.

Redução de emissões

"A EU não pretende reconhecer o fato de o Brasil possuir uma matriz energética muito mais limpa que a grande maioria dos países e que, portanto, a energia usada, por exemplo, na produção do aço no Brasil gera níveis muito mais baixos de emissões de CO2. Não obstante, as empresas siderúrgicas brasileiras, que exportem para a Europa, deverão se ajustar às regras estabelecidas pelo Cbam", acrescentou o Aço Brasil.

O instituto assegura que, independentemente do atendimento às regras da UE, a indústria siderúrgica vem adotado medidas de descarbonização . Entre 2020 e 2022, o setor reduziu suas emissões de 1,9 tonelada de CO2 por tonelada de aço bruto para 1,7 t CO2/t aço bruto, ante a média global de 1,89.

O instituto diz ainda que a produção de aço no Brasil responde por 4% das emissões de gases de efeito estufa no país, inferior à média de 7% dessas emissões na produção mundial de aço.

Fonte: O Globo
Seção: Siderurgia & Mineração
Publicação: 11/06/2024

 

Os desafios da mobilidade urbana no Brasil

Não é de hoje que os problemas com transporte coletivo urbano são debatidos no Brasil. De acordo com estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a saturação do sistema de transporte em médias e grandes cidades do país vem se agravando ao longo dos anos, o que é decorrente especialmente do subinvestimento no setor.

Apesar dos avanços alcançados após a promulgação da Constituição de 1988, acentua o estudo, sobretudo a partir da aprovação do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) e da Lei de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/2012), ainda persistem sérios problemas relacionados à governança, gestão e financiamento de projetos na área.

Segundo Miguel Angelo Pricinote, coordenador técnico do Mova-se – Fórum Permanente de Mobilidade, o transporte coletivo urbano representa um serviço de fundamental importância para a mobilidade, a qualidade de vida e o progresso das cidades. Contudo, enfrenta uma série de desafios.

Entre os principais pontos, Pricinote destaca a elevada tarifação, que impede o acesso da parcela de baixa renda da população e fomenta a preferência pelo uso de veículos individuais.

Além disso, também cita a deficiência na infraestrutura, comprometendo a eficácia, segurança e comodidade tanto de usuários quanto de operadores, a emissão de gases, agravando a poluição, e a gestão deficiente, dificultando a integração, fiscalização e implementação de inovações.

“Para transpor tais obstáculos, é imperativo investir em tecnologias inteligentes e sustentáveis, reduzindo custos e emissões e elevando a satisfação dos usuários”, afirma.

Pricinote, do Mova-se: investimentos em tecnologias inteligentes e sustentáveis são imperativos

Para Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, os desafios já vêm de décadas, especialmente pelo país ter um déficit acentuado de transporte coletivo, baseado em equipamentos sobre pneus.

“Temos poucos sistemas metroferroviários em grandes centros”, observa. “O maior desafio é criar uma rede de transporte integrada física e tarifariamente, com grande capilaridade, para que haja maior abrangência nas regiões metropolitanas”, diz.

Segundo ele, o deslocamento a pé corresponde em média a 40% das viagens urbanas no país, mostrando que o transporte coletivo se situa longe da moradia e/ou do trabalho do usuário.

“O fato de o usuário ter de andar no trajeto casa-trabalho-casa mostra que o transporte público está defasado em termos de regularidade e abrangência”, explica.

Quintella, da FGV: mobilidade urbana começa na calçada

DÉFICIT

A análise desse déficit é complexa, pois implica variáveis como demanda, oferta, qualidade e custo. No entanto, alguns indicadores quantitativos podem oferecer uma visão da situação atual.

Em 2014, o Brasil contava com 10,7 km de transporte de média e alta capacidade por milhão de habitantes urbanos. “Embora represente um avanço em relação aos 8,8 km por milhão em 1980, o aumento ainda é insuficiente diante das necessidades”, aponta Pricinote.

Em 2018, diz o especialista, o deslocamento por ônibus representou 85,7% dos deslocamentos realizados via transporte coletivo, enquanto o transporte sobre trilhos (metrô, trem e VLT) correspondeu a apenas 14,3%.

Em contrapartida, o transporte individual motorizado (carro e moto) foi responsável por 38,1% dos deslocamentos urbanos, enquanto o transporte não motorizado (bicicleta e a pé) respondeu por 32,5%.

Além disso, em 2019 o preço médio da passagem de ônibus urbano foi de R$ 4,25, o que representa um aumento de 7,6% em relação a 2018. Na época, esse valor correspondia a cerca de 14% do salário-mínimo vigente se considerado o mês completo.

Para complicar, em 2020 apenas 36,5% dos municípios com mais de 250 mil habitantes possuíam planos de mobilidade urbana, conforme exigido pela Política Nacional de Mobilidade Urbana.

Além disso, somente 17,6% desses municípios possuíam sistemas de bilhetagem eletrônica integrada. “Essas estatísticas evidenciam um significativo déficit de infraestrutura de mobilidade urbana, que impacta diretamente a qualidade de vida, a inclusão social e o desenvolvimento sustentável das cidades”, avalia Pricinote.

Além desses fatores, Mozar Carvalho, fundador do escritório Carvalho de Machado Advocacia, aponta que a crise foi agravada pela pandemia, evidenciando problemas relacionados ao modelo de financiamento.

Carvalho, do escritório Carvalho de Machado: pandemia agravou o quadro

Porém, antes mesmo da covid-19, a redução no volume de passageiros já impactava o equilíbrio econômico-financeiro das empresas, levando ao sucateamento da frota e à incapacidade de aquisição de novos veículos.

“A exigência de distanciamento social apenas exacerbou esses desafios, com uma queda drástica na demanda e prejuízos bilionários no setor”, descreve o especialista.

AGRAVAMENTO

A partir da pandemia, aponta Bernardo Serra, gerente de políticas públicas do Instituto de Política de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil), diversas cidades buscaram soluções para enfrentar o colapso dos sistemas, criando soluções para subsidiar os custos e manter uma oferta mínima.

“A promoção da qualidade do serviço exige a retomada e aceleração dos investimentos para cobrir o déficit de infraestrutura e garantir a renovação da frota”, diz.

Serra, do ITDP Brasil: busca de soluções para enfrentar o colapso dos sistemas

A última estimativa do BNDES, realizada em 2015, apontou a necessidade de implantação de mais de 1,6 mil km de infraestrutura de média e alta capacidade nas 15 maiores regiões metropolitanas.

“O estudo deve ser atualizado nos próximos meses, mas diante do baixo investimento realizado na última década, esse déficit deve crescer exponencialmente”, complementa Serra.

O especialista cita um estudo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), estimando a necessidade de mais de 31 mil novos ônibus para reduzir a atual média de idade da frota de 8,1 para 5 anos.

Junto a isso, adiciona-se a necessidade de avançar na descarbonização. “A necessidade de investimento ocorre em um ambiente regulatório frágil, em um setor marcado por desafios de transparência e estruturas de governança, além da precária situação financeira das empresas que operam os sistemas”, complementa.

Estudos mostram que o setor de mobilidade é um dos mais defasados da infraestrutura nacional

A escassez de investimentos também tem sido diagnosticada por entidades como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), que estima um déficit de R$ 295 bilhões para algumas cidades. Mas a lacuna pode ser ainda maior.

Trabalhos realizados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) indicam um desprovimento da ordem de R$ 360 bilhões na área. Ainda que haja diferenças metodológicas, esses estudos demonstram que o setor é hoje um dos mais atrasados do país em termos de infraestrutura instalada.

Para tentar superar os desafios, recentemente o Ministério das Cidades firmou uma cooperação com o BNDES para realizar um levantamento nas 21 maiores regiões metropolitanas.

De acordo com o órgão, esse estudo nacional deve auxiliar as cidades e regiões metropolitanas no equacionamento do déficit, que envolve não somente a captação de recursos e fontes de financiamento, mas também o aperfeiçoamento nos instrumentos de gestão e governança.

DIRETRIZES

De acordo com Larissa Almeida, advogada do escritório Fonseca Brasil, uma das ferramentas para superar esses obstáculos é a própria Lei de Mobilidade Urbana, que institui diretrizes para a integração dos diferentes modais de transporte.

“A Lei tem como objetivo contribuir para que a população tenha acesso universal à cidade, por meio do planejamento e da gestão do sistema nacional de mobilidade urbana”, diz.

Larissa Almeida, do escritório Fonseca Brasil: lei garante acesso universal à cidade

A legislação, retoma Pricinote, determina que os municípios com população acima de 20 mil pessoas devem conceber e aprovar Planos de Mobilidade Urbana (PMU) levando em consideração princípios e instrumentos estabelecidos pela Política Nacional de Mobilidade Urbana.

“Esses planos devem ser harmonizados com os Planos Diretores, com o propósito de assegurar sustentabilidade, eficiência e acessibilidade nos deslocamentos e na ordenação urbana”, sublinha.

Inicialmente, o prazo para a elaboração de PMUs foi estipulado até abril de 2015, mas foi sendo sucessivamente prorrogado por meio de medidas provisórias e leis.

A mais recente alteração foi promulgada pela Lei no 14.671/23, de dezembro de 2023, estendendo o prazo até 12 de abril de 2024 (para municípios com população superior a 250 mil habitantes) e 12 de abril de 2025 (para localidades com população igual ou inferior a 250 mil habitantes).

Todavia, conforme dados fornecidos pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MIDR), até novembro somente 36,5% dos municípios com população superior a 250 mil habitantes haviam desenvolvido PMUs, enquanto entre os demais municípios esse índice era de apenas 8,9%. “Dessa forma, persiste um desafio considerável para que os municípios brasileiros atendam à legislação e elaborem seus planos”, frisa Pricinote.

Segundo Serra, o avanço regulatório é essencial para que o ônus do investimento e manutenção dos sistemas não seja responsabilidade exclusiva dos municípios. “A coparticipação dos diversos entes permitirá que mais recursos sejam mobilizados para o setor”, pondera.

DESAFIOS

Segundo Pricinote, do Mova-se, os obstáculos para a integração dos modais de transporte urbano englobam diferentes aspectos.

Entre eles, está justamente a deficiência de planejamento e coordenação entre os diferentes entes governamentais (federal, estadual e municipal) e os diversos operadores do sistema de transporte (públicos e privados).

Também há desafios no financiamento e na sustentabilidade econômica dos empreendimentos de mobilidade urbana, que dependem de fontes voláteis de recursos, como tributos, tarifas, subsídios, empréstimos e investimentos privados.

Para completar, a complexidade jurídica e regulatória dos contratos de concessão e PPPs exige atenção a aspectos como definição de responsabilidades, direitos, obrigações, metas, indicadores, penalidades, reajustes, rescisões e arbitragens.

“Além disso, há desalinhamentos entre os segmentos da sociedade, que podem apresentar interesses antagônicos ou discrepantes”, observa Pricinote. “Também podemos citar a necessidade de transparência e controle dos processos, a fim de prevenir fraudes, corrupção, desperdícios, ineficiências e desvios.”

Segundo Carvalho, do escritório Carvalho de Machado, a superação do atraso na cobertura exige uma abordagem multifacetada. De saída, ele ressalta, é fundamental a revisão do modelo de remuneração, movendo-se em direção a um sistema que não dependa exclusivamente das tarifas.

“Isso envolve a implementação de modelos de financiamento mais sustentáveis, capazes de garantir a continuidade e a qualidade do serviço sem sobrecarregar financeiramente a população”, afirma.

Além disso, é essencial a criação de um ambiente regulatório estável e previsível, de modo a atrair mais investimentos privados ao setor. “Isso não só aliviaria o fardo financeiro dos governos locais e nacionais, mas também incentivaria a inovação e a eficiência por meio da expertise do setor privado”, diz o advogado.
 
Fonte: Grandes Construções
Seção: Construção, Obras & Infraestrutura
Publicação: 11/06/2024

 

Entenda a MP do PIS/Cofins que gerou críticas ao governo Lula

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enviou ao Congresso Nacional na última semana a Medida Provisória 1227/24, que altera as regras do uso de crédito do PIS e da Cofins, atingindo diversos setores da economia.

As novas regras, que entram em vigor imediatamente, geraram uma série de críticas do setor produtivo, advogados tributaristas e de parlamentares. Agora, a equipe econômica do governo articula para conter danos e tentar aprovar a medida no Legislativo, mas já admite negociar alterações.

O que é a MP?

A MP tem dois eixos principais que geraram polêmica: o primeiro estabelece que as empresas poderão utilizar o crédito de PIS e Cofins apenas para abater essas próprias contribuições, e não outros impostos. De acordo com a Fazenda, essa é uma sistemática da não cumulatividade, sem compensação com outros tributos ou “cruzada”.

Em 2023, segundo a Receita Federal, por exemplo, quase metade das compensações de débitos previdenciários ocorreu por meio de uso de créditos de PIS/Cofins, o que agora está sendo atacado pela pasta.

O segundo eixo da MP é a vedação do ressarcimento em dinheiro do uso de crédito presumido de PIS/Cofins, espécie de benefício fiscal para fomentar algumas atividades. A Fazenda explicou que as leis mais recentes já vedam o ressarcimento em dinheiro, impedindo a “tributação negativa” ou “subvenção financeira” para alguns setores, mas a MP estende essa vedação para casos que permaneceram e que representaram R$ 20 bilhões pleiteados em 2023.

Por que ela foi editada?

O Ministério da Fazenda tem defendido que editou a MP para conseguir receitas e, assim, compensar a renúncia fiscal de R$ 26,3 bilhões da desoneração da folha de pagamento dos 17 setores intensivos em mão de obra e dos municípios. O Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que, sem uma compensação, a prorrogação da desoneração é inconstitucional e deu 60 dias para governo e Congresso encontrarem uma solução.

Embora o governo precise de R$ 26,3 bilhões para compensar a renúncia com a desoneração em 2024, as medidas previstas na MP podem gerar até R$ 29,2 bilhões este ano, segundo a Fazenda. De acordo com o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, essa “gordura” é necessária já que há imprevisibilidade sobre o potencial arrecadatório da medida.

Quais foram as reações?

Horas depois do anúncio da MP na última terça-feira, o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Pedro Lupion (PP-PR), criticou a medida. Segundo ele, a MP gera “preocupação gigantesca” ao setor e demonstra uma “sanha arrecadatória” do governo Lula. O setor alega ser fortemente afetado pelas medidas. A líder do PP no Senado, Teresa Cristina (MS), afirmou que a medida encaminhada pelo governo vai impactar os investimentos no país.

Um grupo de aproximadamente 70 entidades empresariais, incluindo dos setores de mineração, petróleo e gás, se organiza para pressionar o Congresso Nacional a derrubar a MP.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima que o impacto somente nas indústrias será de R$ 29,2 bilhões nos sete meses de vigência da medida neste ano, chegando a R$ 60,8 bilhões em 2025.

Neste sábado, o empresário Rubens Ometto, controlador da Cosan, subiu o tom e criticou a medida. “Estão mordendo pelas bordas, mudando as normas para arrecadar mais”, afirmou durante evento do Esfera Brasil.

O que diz a Fazenda?

A pasta entende que o limite às compensações de PIS/Cofins era a única medida viável para conseguir uma arrecadação de quase R$ 26,3 bilhões neste ano para compensar a desoneração da folha. Além disso, alegam membros da pasta, ela corrige "distorções" no sistema tributário.

Outras possibilidades foram estudadas, como aumentar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos bancos, mas foram descartadas, porque teriam um impacto muito forte e precisariam cumprir noventena (prazo de 90 dias para um novo imposto ou que teve alíquota majorada entrar em vigor).

Medidas mencionadas por parlamentares, como a repatriação de ativos, por exemplo, seriam insuficientes segundo membros da Fazenda, já que gerariam uma arrecadação de cerca de R$ 1 bilhão.

Quais os próximos passos?

Nesta semana, o ministro da Fazenda estará de volta a Brasília para dar andamento às negociações com o Congresso Nacional. O Valor apurou que a pasta já está trabalhando para entregar um estudo de impacto aos parlamentares. Além disso, integrantes da equipe econômica afirmam que haverá um olhar acurado para o setor da exportação, que é afetado pela medida.

Na última sexta-feira, Haddad defendeu em entrevista coletiva que a MP é "saneadora", "abre um processo de discussão" e que vai "sentar para conversar" com o Congresso, sinalizando que a Fazenda está disposta a considerar hipóteses e alternativas.

O que é a desoneração da folha?

O modelo de desoneração foi instituído em 2011, como forma de estimular a geração de empregos. Desde então, foi prorrogado diversas vezes. Na mais recente, foi prorrogada pelo Congresso, mas vetada pelo governo na virada de 2023 para 2024, o que deu início a um impasse. É um modelo de substituição tributária, mais adequada a setores intensivos em mão de obra. Nele, esses segmentos podem substituir a contribuição previdenciária de 20% sobre salários por alíquota que varia de 1% a 4,5% incidente sobre a receita bruta. Os setores atingidos pelo programa empregam cerca de 9 milhões de pessoas.

Em maio, Haddad e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), chegaram a um acordo que prevê a manutenção da desoneração neste ano e o aumento progressivo da cobrança a partir de 2025. Neste caso, a alíquota dos setores contemplados passaria a ser de: 5% sobre a folha de salários em 2025; 10% em 2026; 15% em 2027; e 20% (valor cobrado hoje das demais empresas que não são beneficiadas pela desoneração) em 2028.

Fonte: Valor
Seção: Indústria & Economia
Publicação: 10/06/2024

 

China produz menos aço, e oferta global anda de lado em 2024

Maior produtora de aço bruto do mundo, a China seguiu pisando no freio em abril, em meio à política de descarbonização da economia doméstica implementada por Pequim e das medidas de defesa comercial adotadas mundo afora contra o país asiático.

De acordo com os dados mais recentes da Worldsteel, que contabiliza o volume produzido em 71 países, equivalente a 98% da produção global no ano passado, os chineses produziram 85,9 milhões de toneladas de produtos siderúrgicos em abril, bem abaixo das 100 milhões de toneladas médias que vinha produzindo por mês há tempos. Frente a abril de 2023, a redução foi de 7,2%.

Com isso, a China também derrubou a produção global de aço bruto. Segundo a entidade, o mundo produziu 155,7 milhões de toneladas em abril, uma queda de 5% na comparação anual e de 0,9% no acumulado dos quatro primeiros meses do ano, para 625,4 milhões de toneladas.

De acordo com o site mining.com, a China pretende reduzir as emissões de dióxido de carbono, no conjunto de suas principais indústrias, em 1% em relação ao apurado em 2023. Para tanto, anunciou na semana passada um plano de governo que prevê maior controle sobre a produção de aço e a taxa de utilização das siderúrgicas locais, o que seguirá limitando a disponibilidade de produtos siderúrgicos. As usinas chinesas são tidas como altamente poluidoras por usarem carvão como fonte de energia.

“Ainda não está claro se a produção de aço neste ano ficará estável ou menor do que em 2023”, ponderaram analistas da Sinosteel Futures em nota, conforme a publicação. Além das metas ambientais, os chineses têm se deparado com barreiras comerciais crescentes em diferentes países, que alegam que o aço chinês é subsidiado e compete em condições desleais.

O Brasil foi um dos que adotaram medidas de defesa comercial, que devem entrar em vigor neste mês. Há pouco mais de um mês, o Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex-Camex) decidiu estabelecer cotas de importação para 11 produtos de aço (NCMs), com alíquota de 25% sobre o que exceder o volume definido.

Por aqui, a produção de aço bruto em abril somou 2,7 milhões de toneladas, baixa de 1,1% na comparação anual, segundo levantamento do Instituto Aço Brasil. No acumulado dos quatro primeiros meses de 2024, a produção brasileira cresceu 3,9%, a quase 11 milhões de toneladas.

Enquanto os chineses seguiram moderando o ritmo, África, Europa, Oriente Médio e América do Sul colocaram mais aço no mercado, frente ao mesmo período do ano passado. Conforme a Worldsteel, a África produziu 1,8 milhão de toneladas de aço bruto no mês passado, alta anual de 1,4%. A Ásia e a Oceania, por sua vez, colocaram 114,8 milhões de toneladas do insumo no mercado, baixa de 5,8% liderada pela China.

Na União Europeia, a produção ficou em 11,3 milhões de toneladas, com expansão de 1,1%, enquanto outros países europeus não integrantes do bloco produziram outras 3,4 milhões de toneladas, 2,6% a menos do que o visto no mesmo mês de 2023.

O Oriente Médio, por sua vez, produziu 4,6 milhões de toneladas, quantidade 8,2% menor na comparação anual e a América do Norte marcou 8,9 milhões de toneladas, baixa de 5,2% na mesma base comparação.

Na Rússia, considerando-se os números da Ucrânia, foram 7,4 milhões de toneladas, queda de 3,5%. E a América do Sul somou 3,4 milhões de toneladas produzidas, 3,9% menos.

Fonte: Valor
Seção: Siderurgia & Mineração
Publicação: 10/06/2024

 

Novo debate sobre a circulação de máquinas agrícolas em rodovias é realizado em SC

Cumprindo mais uma etapa do ciclo de debates no estado sobre a circulação de máquinas agrícolas nas rodovias, a Comissão de Agricultura e Desenvolvimento Rural realizou na noite desta sexta-feira (7) uma audiência pública em Ituporanga para levantar as opiniões e sugestões da população local sobre o tema.

O evento aconteceu na câmara de vereadores do município e reuniu trabalhadores e produtores rurais, sindicalistas, lideranças políticas e representantes de órgãos públicos de diversas cidades do Alto Vale do Itajaí.

A exemplo dos outros municípios onde a comissão realizou a audiência (Campos Novos, Papanduva, Abelardo Luz e Sombrio), em Ituporanga os participantes também pediram alternativas que favoreçam o deslocamento de equipamentos entre as áreas de cultivo.

O atual Código Brasileiro de Trânsito restringe o trânsito deste tipo de maquinário em rodovias. Com isso, os produtores rurais precisam levá-los por trajetos secundários ou em carretas especiais até as áreas de cultivo. O setor alega que essa restrição impacta negativamente a produtividade e competitividade, já que, muitas vezes, as estradas utilizadas como alternativa não têm boas condições e os trajetos são mais longos.

O proponente das audiências, deputado Oscar Gutz (PL), afirmou que nos próximos dias o tema também será levado ao município de Campo Erê, no Oeste do estado e que em seguida a comissão irá elaborar um documento reunindo as manifestações coletadas por todo o estado.

“Nossa intenção é fazer um relatório com tudo isso que foi discutido e levar para as autoridades em Brasília, para os nossos deputados, senadores, e também para órgãos públicos federais, como o Ministério da Agricultura e Pecuária e o Ministério dos Transportes.”

Polo agrícola
Com a economia baseada na agricultura e na agropecuária, Ituporanga detém o título de Capital Nacional da Cebola, sendo responsável pelo abastecimento de 12% do mercado nacional com a hortaliça. O município, entretanto, enfrenta dificuldades para dar continuidade à produção, tendo em vista que é cercada por diversas rodovias, como as SCs 427, 302 e 426.

A mesma situação é enfrentada pelas cidades do entorno, conforme afirmou o presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Imbuia, Dirceu Schmidt.

“Nossos municípios são pequenos, mas são cortados por rodovias. O agricultor acaba tendo que transitar por elas, nem que seja por uma pequena distância. E a gente sabe que a sinalização das rodovias e as próprias máquinas não são adequados para isso.”

Opinião semelhante foi apresentada por Almir Kröger, gerente regional da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) em Rio do Sul, que atua em 35 municípios da região. “Aqui há várias entradas que causam transtornos para os agricultores. Muitos deles têm mais de um terreno para atender e quando precisam transitar de uma área para outra, são obrigados a ter uma autorização especial para levar as máquinas.”

De forma pessoal, ele também apresentou sugestões sobre o tema. “Não há uma deliberação por parte da Epagri, mas acredito que o espaço é para todos e se a gente conseguisse regulamentar a circulação destes equipamentos, com a sinalização adequada, o uso de batedores, o tamanho adequado para a via,  a utilização de pisca-alerta, haveria oportunidade para o trânsito normal de veículos e para maquinário também.”

O presidente da Câmara Municipal de Ituporanga, vereador Nelson Zvetzch Júnior (PL), relatou a ocorrência de grandes prejuízos aos agricultores da região.
“Muitas vezes os agricultores acabam sendo lesados, até mesmo com a apreensão de máquinas e equipamentos agrícolas que transitam nas SCs e BRs das cidades próximas de Ituporanga.”

Por sua vez, o prefeito de Ituporanga, Gervásio Maciel (PP), defendeu que a questão passa necessariamente pela alteração na legislação.

“Acho válido discutir e buscar alternativas para melhorar a vida da população, mas eu sou um legalista por natureza e busco a solução sempre dentro da lei, pois fora dela não somos nada.”

Alteração na legislação
Presente ao evento, o deputado federal Rafael Pezenti (MDB-SC) afirmou que atualmente há diversos projetos de lei tramitando na Câmara Federal visando regular a circulação de tratores e máquinas agrícolas em rodovias, sendo o que está com o trâmite mais avançado é o PL 3596/2023 do deputado paranaense Sérgio Souza (MDB).

Ele destacou, entretanto, que a questão não será resolvida por meio de projetos, mas sim alterando uma resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran).

“Nós tivemos, de março a abril, durante 30 dias, uma consulta pública aberta pelo Ministério dos Transportes em que 280 agricultores do Brasil inteiro se manifestaram. Um número muito pequeno, mas depois que essa consulta pública foi fechada, nós começamos a conversar diretamente com o Ministério para garantir que algumas especificações não fiquem de fora dessa nova minuta, dessa nova resolução do Contran”, disse.

Em outro ponto, o parlamentar declarou que também apresentou um projeto de lei que busca facilitar a atividade dos agricultores por meio da retirada da obrigatoriedade do Registro Nacional de Máquinas Agrícolas (Renagro).

De acordo com ele, já houve registro em Santa Catarina de apreensão de maquinário por falta do documento, que vem sendo exigido desde outubro de 2022.

“Nós queremos que o Renagro continue existindo, mas que deixe de ser obrigatório. A gente não pode colocar para o agricultor mais essa obrigação. Ele, que já é tão penalizado pelo mercado, pelas intempéries e também pelo governo, não precisa ter mais essa obrigação.”

Fonte: Correio do Norte
Seção: Agro, Máquinas & Equipamentos
Publicação: 10/06/2024

Geopolítica é desafio do comércio global para Força-tarefa de Comércio e Investimento do B20

Mudanças na dinâmica geopolítica nos últimos anos, questões climáticas e crises sanitárias são alguns dos riscos que têm mudado a dinâmica do comércio global nos últimos anos, incluindo a reestruturação das cadeias globais. É em meio a esse cenário que a Força-tarefa de Comércio e Investimento do Business 20 (B20) discute recomendações nesta área.

Composto por sete forças-tarefas e um conselho de ação, o grupo é o fórum empresarial dos países do G20. Desde o início do ano, as forças-tarefas têm discutido propostas para apresentar aos chefes de Estado na cúpula das maiores economias do mundo. Em 2022, os países do G20 representaram 88,2% do PIB mundial, 83,1% dos investimentos enviados e 79,5% dos investimentos recebidos. 

Em entrevista à Agência de Notícias da Indústria, Daniel Azevedo, diretor-executivo e sócio da Boston Consulting Group (BCG), consultoria que apoia a força-tarefa, falou das alterações no comércio global nos últimos anos e de questões a serem enfrentadas para promoção de um comércio internacional aberto, equitativo e eficiente.

Um estudo do BCG divulgado em janeiro prevê crescimento de fluxos comerciais dentro e entre o Sul Global e uma desaceleração dos corredores Sul-Norte. Quais os motivos desse cenário? Como isso representa novas oportunidades para o Brasil?  

As forças geopolíticas que estão em jogo acabam tendo efeito sobre comércio global, segurança nacional e criação de empregos pelo mundo afora. Por um lado, a gente enxerga um elo comercial entre as duas maiores potências econômicas globais — a China e os Estados Unidos — reduzindo ao longo da próxima década. Esse já foi o maior fluxo comercial do mundo entre duas nações. Por um lado, os Estados Unidos vão acabar reforçando o comércio norte-americano, com o Canadá, com México e também o comércio com Europa. E por outro lado, a China deve crescer principalmente no Sudeste Asiático, com a Índia e também com o Mercosul e com a África. 

Como essas mudanças impactam as empresas?

Quando você vê essa reconstrução das cadeias globais, as empresas que construíram suas cadeias produtivas no mundo onde a lógica era muito “o que é mais eficiente? mais barato? como eu crio uma cadeia de valor mais eficiente e mais barata, sem fronteiras?” isso está entrando num novo estágio onde eu tenho preocupações maiores com a resiliência da minha cadeia.

Quando você coloca a resiliência à frente de custo, ou em paralelo com custo, ou pelo menos como um elemento da equação, as respostas que você tinha antes com relação a qual que era a sua cadeia ideal passam a mudar. É esse momento que a gente vive. A gente vê as empresas cada vez mais alertas e atentas com relação aos riscos para suas cadeias e voltando ao que a gente chama de “fortalecer os múltiplos geopolíticos”.

No mundo plano onde você pode fazer comércio com todo mundo sem se preocupar, era uma questão econômica simples, matemática. Quando você começa a levar outras coisas em consideração, como riscos futuros e até outros elementos não geopolíticos, como por exemplo, riscos de eventos climáticos ou pandemias, como a gente viveu recentemente, que traz estresse para as cadeiras globais, você começa a repensar essa equação.

De que maneira as empresas têm buscado reduzir esse risco?

No passado, se a sua cadeia mais eficiente era uma que nascia no Vietnã, ia para China, passava pela Índia e vinha para o Brasil, era a cadeia que você executava. No mundo onde eu tenho uma preocupação maior com riscos de futuras pandemias, tem desastres naturais com uma frequência cada vez maior e eu tenho riscos geopolíticos, não vai ser essa cadeia, provavelmente, que eu vou querer sustentar. Eu vou querer uma cadeia que tem um risco menor e risco menor muitas vezes é associado ou à proximidade geográfica ou a relações comerciais muito estabelecidas, antigas de países que tendem a ser mais homogêneos com relação a sistemas políticos e jurídicos e em relação à proteção de dados, privacidade etc, que são onde surgem riscos nessas relações de comércio internacional.  

A gente está vendo talvez na história recente de negócios a maior mudança depois da mudança que foi tornar as empresas globais. Esse é o primeiro momento que a gente vê o comércio global crescendo menos que PIB global para a próxima década. Não muito menos, um pouco menos e isso vem muito de empresas buscando aproximação de cadeias para reduzir um pouco risco. 

O quanto esses movimentos como o nearshoring e friendshoring, de reestruturação das cadeias, têm sido feitos? Quais as dificuldades para essas mudanças?

Isso já está sendo uma realidade sim, mas gradual. Vou dar dois exemplos. Um foi a guerra na Ucrânia, um conflito geopolítico em que os países europeus chegaram a impor uma série de sanções à Rússia, mas havia a dependência do gás russo para sua matriz energética. Não dava para da noite para o dia você de repente desplugar do gás russo. Diferentes países tinham diferentes graus de dependência. Os mais próximos, com Alemanha, bastante dependente e os mais distantes, menos dependentes. Criou-se um plano de reduzir a dependência no médio prazo do gás russo. 

Por mais que a guerra na Ucrânia em algum momento, talvez se resolva, conflitos geopolíticos com a Rússia podem voltar a acontecer. Foi criado um plano de criar resiliência energética, com uma combinação de retornar algumas matrizes energéticas que foram um pouco abandonadas, como a nuclear, que é algo que está sendo discutido; reiniciar algumas usinas que estavam fechadas, mas também aumentar a importação de gás natural americano, criar a infraestrutura para você conseguir receber esse gás importado via marítima. Não é uma mudança de um momento para outro, mas decisões são tomadas para de fato mudar. 

Outro exemplo são os semicondutores. A indústria americana percebeu a dependência muito grande da China e de Taiwan e decidiu que esse era um setor estratégico que o grau de dependência não era condizente com os riscos geopolíticos. Então iniciou-se um processo de desenvolver a indústria de semicondutores nos Estados Unidos e no México. A Europa também está passando por algo similar. 

Então para alguns itens, que são recursos de relevância desproporcional, como energia, como semicondutores, não é algo que você consegue fazer de um dia para o outro a mudança porque você tem toda uma cadeia montada eficiente onde o arranjo original economicamente falando, talvez fosse a melhor equação. Por isso que era a Europa consumia gás russo, por isso que semicondutores asiáticos eram produzidos lá e não nos Estados Unidos. Mas dado os efeitos geopolíticos isso precisa mudar. 
Em outras indústrias isso acontece de uma forma muito mais simples. Indústrias talvez menos complexas, com vários fornecedores globais, a mudança acaba sendo um pouco mais simples e direta. 

O tema de investimento tem essa interseção com a transição energética. Como mercados emergentes podem atrair investimentos nessa área? 

O grande tema da transição energética é que, de partida, as matrizes energéticas dos diferentes países têm naturezas muito distintas. O custo da transição, por consequência, também é bastante distinto e o grau de compromisso individual de cada país com essa transição energética também tende a variar, então é um tema é muito complexo de existir um acordo amplo global em que todos os interesses são levados em consideração e a gente chega numa fórmula em que todo mundo enxerga que é o melhor caminho para todos. A transição energética acaba por trazer algumas distorções principalmente quando países avançam com velocidades diferentes no assunto. 

Por exemplo, o CBAM na Europa é uma forma de você, via regulação, acelerar a transição energética em que indústrias mais intensivas em carbono vão ter uma taxação específica dado o conteúdo de carbono emitido no processo de produção de cada uma das indústrias que estão sendo consideradas. Para algumas indústrias, o impacto vai ser bem menor, para produtos mais leves em carbono. Para produtos mais pesados em carbono, o impacto é super relevante nas empresas.

O problema dessa abordagem é que você está impondo uma taxação sobre essas indústrias que no país de origem das empresas que estão exportando para Europa não existe, então você cria um desbalanço de taxação. 

Esse ponto também se relaciona com a discussão das responsabilidades diferentes dos países na questão climática…

Os países em desenvolvimento trazem um princípio importante, que é o princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas. O que significa que temos responsabilidade comum, mas a nossa capacidade de atuar sobre isso é distinta, dado o grau de riqueza e o quanto cada país já poluiu na sua história. Então o CBAM ainda é uma medida que não é vista por mercados em desenvolvimento como algo que está alinhado com esse princípio e acho que não tem solução fácil.  

Acordos climáticos que de fato sejam impactantes são muito difíceis de se obter, ainda mais no mundo atual que está se desglobalizando. Não só nas cadeias globais, mas também a Organização Mundial de Comércio vem perdendo sua relevância nas últimas décadas e o comércio tem se expandido, mas muito com base em acordos bilaterais ou focados em regiões específicas e não via acordos globais de comércio. 

Há expectativa em relação a uma reestruturação da OMC?

Infelizmente a gente enxerga a OMC como um órgão que está perdendo a relevância. O tempo necessário para processamento das disputas na OMC se tornou absurdamente longo. É um órgão que não consegue cumprir a sua função e você tem sinalizações importantes, como os EUA não nomeando juízes para arbitrar nas disputas, o que reduz ainda mais a capacidade de processamento. 

Promover avanços estruturais, perenes, não é um processo linear. Tem muito trabalho para ser feito para conseguir resgatar a relevância da OMC. Enquanto isso, eu não vejo nenhum problema das nações buscarem acordos regionais ou bilaterais. Não resolve o problema global, mas pelo menos ajuda a avançar. Tanto é que nas últimas décadas, apesar do declínio da OMC, o comércio global cresceu, gerou riqueza enorme. O futuro é um pouco mais incerto, mas eu acho que no curto pro médio prazo ainda vai ser muito mais calcado em acordos regionais ou bilaterais do que grandes acordos na OMC.

Uma das recomendações da força-tarefa de comércio e investimento do B20 no ano passado foi a digitalização do comércio. O que tem de melhorar nesse ponto e como novas tecnologias como a inteligência artificial podem impactar nesse cenário?

É um daqueles temas em que talvez exista um certo alinhamento de caminho. É quase unanimidade que a gente precisa caminhar na digitalização do comércio. O desafio é na execução e parte do desafio da execução é tornar mais acessível, ampliar a utilização, mas tem algumas questões regulatórias que não são triviais: proteção de dados, proteção de propriedade intelectual, cibersegurança. Existem níveis de penetração e adoção por empresas e países muito distintos. Um futuro onde o acesso digital é mais amplo e a regulação mais uniforme ou com algum grau de alinhamento tem um potencial de facilitar o comércio global. Você amplia a transparência, se torna muito mais fácil a troca de dados e acho que isso é uma infraestrutura básica para a gente conseguir ver um salto no comércio global nos próximos anos.

Fonte: CNI
Seção: Indústria & Economia
Publicação: 07/06/2024