Os economistas de mercado chegam ao fim deste ano já com o script pronto sobre o que deve acontecer com a taxa de juros até os primeiros três meses de 2026. Com uma comunicação bastante incisiva do futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, e uma indicação de que o sarrafo é alto para não se cumprir a prescrição já dada para os rumos da política monetária, o mercado trabalha com 14,25% como piso para a Selic, mas projeta elevações adicionais na taxa em um ambiente que contém riscos inflacionários elevados.
Entre 95 instituições financeiras e consultorias que participaram do último levantamento do ano feito pelo Valor, a mediana das projeções aponta para uma Selic de 15% no fim do ciclo de aperto monetário e, também, no fim de 2025, com reduções na taxa básica de juros que só devem ter início em 2026. Caso, de fato, esse cenário se concretize, a Selic chegará ao maior nível desde julho de 2006. As projeções foram coletadas após a divulgação do Relatório de Inflação (RI) do quarto trimestre e a entrevista à imprensa de Gabriel Galípolo e Roberto Campos Neto.
O nível bastante restritivo dos juros com o qual o mercado trabalha mostra uma mudança relevante do cenário econômico nos últimos meses. No fim do ano passado, as previsões dos economistas não contemplavam uma retomada do processo de aperto monetário. Entre as estimativas mais conservadoras de casas consultadas pelo Valor em 2023, a Selic era projetada era de 10,5% no fim deste ano, ou seja, bem distante dos atuais 12,25%.
Já para agora, a expectativa dos agentes aponta para um ciclo bem agressivo de aperto à frente, induzido pela própria comunicação da autoridade monetária. As indicações de Galípolo de que o BC fará o necessário para que haja uma convergência da inflação rumo à meta de 3% no horizonte relevante (18 meses à frente) provocaram alteração nos cenários de economistas de mercado. Antes da decisão de dezembro, o ponto médio das estimativas para os juros indicava uma taxa de 13,75% no fim do ciclo de aperto monetário e de 13,5% em dezembro de 2025.
Após o RI e a coletiva de Galípolo e Campos Neto, instituições financeiras importantes alteraram seus cenários e passaram a contemplar um caminho ainda mais restritivo na condução dos juros. Na sexta-feira, o Santander elevou sua estimativa para a Selic no fim do ciclo de 13% para 15,5%, enquanto o Banco do Brasil passou a trabalhar com uma taxa de 15,25%, contra 13,75% na estimativa anterior. Já no caso do BTG Pactual, a previsão para o juro básico tanto no fim do ciclo quanto em dezembro de 2025 passou de 14,75% para 15,25%.
“Galípolo foi muito enfático em relação ao ‘guidance’ [prescrição futura] e aos rumores sobre a realização de uma reunião extraordinária”, afirma o economista-chefe da XP Asset Management, Fernando Genta. Assim, após as elevações já esperadas de 1 ponto nos juros em janeiro e em março, o economista acredita que o BC deve desacelerar o ritmo e entregar um aumento de 0,75 ponto em maio e outro de 0,5 ponto em junho.
No entanto, mesmo com uma Selic em 15,5%, Genta espera uma inflação ao redor de 6% no próximo ano. “É um contexto em que todos os fatores apontam para uma inflação mais alta. Espero alguma desaceleração da economia, mas não um cenário em que ocorra uma alta expressiva do desemprego ou da capacidade instalada da economia. Portanto, devemos ter um hiato do produto [medida de ociosidade da economia] mais inflacionário do que tivemos neste ano, sem o benefício de uma bandeira verde da energia elétrica. Será um período inflacionário ainda mais extenso.”
O cenário traçado pela XP Asset guarda semelhança com o da Novus Capital, que vê a inflação ainda mais pressionada e não projeta um retorno à meta no horizonte relevante. “Só vamos ter uma convergência se a postura da política fiscal for alterada. Pelos modelos do BC, acreditamos que uma Selic em 15,25% poderia mostrar uma convergência da inflação para a meta, mas, no nosso cenário, vemos um ano de 2025 bem complicado na seara fiscal”, afirma o economista-chefe da Novus, Tomás Goulart.
A postura de Galípolo adotada na entrevista na semana passada foi vista como positiva por Goulart. Para ele, o atual diretor de política monetária assumiu de vez a posição de banqueiro central e adotou um tom “necessário” para o momento. “E isso só mostra como a independência do BC faz bem ao país. Ela conseguiu fazer com que o instrumento monetário tivesse credibilidade na condução da política econômica no momento em que a política fiscal perdeu.”
Na avaliação de Goulart, o BC tentou retomar credibilidade ao contratar uma Selic de pelo menos 14,25% e com os discursos vistos na semana passada. “E podemos dizer que, nisso, o mercado estava aguardando para saber quando haveria a entrada do Galípolo como presidente. Ele deixou clara a preferência pelo ‘guidance’ e tentou retomar a confiança de que o BC fará o que for necessário”, afirma o economista.
Os primeiros efeitos já foram sentidos nos preços dos ativos financeiros ainda na quinta-feira, quando os juros de curto prazo passaram a cair. No auge do estresse, a curva de juros chegou a precificar uma Selic de 17,5% no próximo ano. Após declarações de Galípolo, a aprovação das medidas de revisão de gastos no Congresso Nacional e o vídeo em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acena para novas medidas, caso necessário, houve um alívio relevante nas taxas de curto prazo.
Já no mercado de opções digitais, houve uma consolidação das apostas em torno de um aumento de 1 ponto na Selic em janeiro, com 70% de chance no fechamento dos negócios de sexta-feira. Antes, o aumento dos prêmios de risco levou a curva de juros a embutir nos preços a chance de uma alta de até 2 pontos na taxa básica.
O economista Leonardo França Costa, do ASA, também defende um juro básico em 15,25% no fim do ciclo, ao avaliar que ainda há um viés de mais inflação, dado que a depreciação do câmbio foi significativa e que não há perspectiva de solução definitiva para os problemas fiscais brasileiros. “O viés é de mais inflação e Selic.”
Além disso, um processo de flexibilização parece bastante distante e deve ocorrer somente em 2026 na visão do ASA. Costa entende que será necessária alguma estabilização ou perspectiva de desaceleração da atividade e da inflação para que o BC pare de elevar os juros e comece a cortar, o que não deve ser observado na maior parte do próximo ano. “Não parece que vamos ter um cenário para cortes. Esperamos que, no fim do ano que vem, seja possível ver algum tipo de estabilização”, diz o economista, ao ponderar que, até lá, o cenário indica um crescimento menor e uma inflação mais pressionada.
O contexto externo também entra na conta, já que as chances de uma política monetária seguir em níveis restritivos nos Estados Unidos são maiores do que se imaginava um tempo atrás. Em meio a uma economia resiliente, inflação acima da meta e ameaças tarifárias do presidente eleito dos EUA, Donald Trump, contra economias importantes, as preocupações com a inflação nos EUA têm aumentado. “Sabemos qual o receituário e parece que não vai escapar disso. A dúvida é entender se eles irão colocar tarifas no ‘modo turbo’ e a um patamar muito mais elevado”, afirma.
Os desenvolvimentos externos também levaram o Rabobank a esperar um cenário mais conservador na condução dos juros pelo BC. “É um cenário global mais adverso, onde vimos um fortalecimento generalizado do dólar, com as perspectivas do futuro governo Trump”, nota o chefe de estratégia macro para América do Sul do banco, Mauricio Une. “E, além disso, as discussões do pacote fiscal se somam ao fator externo que trouxe momentos de tensão e estresse para o câmbio, mas, talvez, não vejamos necessariamente outros picos de alta até a próxima reunião.”
Mesmo assim, o cenário será de juros bastante elevados, com alta até 15% no cenário do Rabobank. “Tenho a sensação de que, só com duas altas de 1 ponto na taxa de juros nas duas próximas reuniões, talvez o fluxo de dados que possamos ver até março ainda não seja necessariamente suficiente para o BC ficar tranquilo de que estaremos com projeções, expectativas de inflação e hiato do produto ajudando para o BC parar de subir os juros”, avalia Une.
Assim, para ele, a autoridade monetária entrará no segundo trimestre de 2025 ainda com medidas de aperto a ser tomadas. “Em maio, o BC terá em mãos os dados de atividade do primeiro trimestre e, talvez, as expectativas inflacionárias possam começar a ajudar o Copom a ter um pouco mais de calma. Acredito que, então, o hiato do produto deixará de ser um fator de pressão positiva para a inflação prospectiva, que pode começar a ficar mais tranquila”, afirma o profissional do Rabobank. “Mas o cenário todo é muito dinâmico”, ressalta.
Fonte: Valor
Seção: Indústria & Economia
Publicação: 23/12/2024
23-12-2024 Indústria e Comércio
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