Análise: A difícil equação do governo Lula no caso do aço chinês
O forte avanço do aço importado no mercado brasileiro deixa o governo em uma posição delicada. Se ceder ao pleito das siderúrgicas instaladas no país e elevar a 25% a alíquota de importação, colocará mais pressão sobre um série de setores consumidores, como máquinas e equipamentos e construção civil, que já vêm enfrentando outros desafios.
Por outro lado, se não atendê-las, corre o risco de deixar a porteira do mercado local aberta sobretudo para as siderúrgicas chinesas, que nos últimos anos vêm usando o mercado internacional para sustentar taxas de operação de suas usinas, praticamente todas estatais. Para 2023, estima-se que os chineses vão exportar 100 milhões de toneladas de aço, das quais apenas 3 milhões de toneladas para o Brasil, o que deixa claro que, se houver apetite local para mais, o país asiático tem a fornecer.
O aumento das importações acendeu a luz amarela do setor siderúrgico em maio. Desde então, representantes da Indústria e do Instituto Aço Brasil, que reúne essas empresas, participaram de conversas com técnicos e autoridades do Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) em busca de algum tipo de proteção, que até o momento não veio — para dizer que não veio nada, o novo governo reverteu a redução de 10% da tarifa externa comum (TEC) do Mercosul.
Com o agravamento da situação nos últimos meses, o Instituto Aço Brasil anunciará ainda hoje a revisão das estimativas para 2023, incluindo possivelmente a expectativa de recorde de 5 milhões de toneladas de compras externas, o equivalente a um salto de mais de 50% frente a 2022. Ao mesmo tempo, as vendas internas devem recuar ao menos 6%, apesar do ambiente de demanda relativamente saudável, evidenciando o ganho de participação do produto importado, que até agora chega a 24%, versus 12% na última década.
Conforme as siderúrgicas, o recorde de importações em dez anos reflete o excesso de capacidade de cerca de 550 milhões de toneladas de aço no mundo, incluindo 190 milhões de toneladas na China. Para proteger a indústria local, já em 2018 os Estados Unidos impuseram tarifa de 25% ao produto importado, em movimento acompanhado na sequência pela União Europeia.
Neste ano, o México, que tem se alinhado aos Estados Unidos na nova geopolítica global, adotou a alíquota de 25%, após a aço importado responder por 40% do consumo aparente nacional. Essas medidas naturalmente deslocaram o volume disponível no mercado internacional para países com menos proteção, caso do Brasil, onde alíquota sobre importados é de cerca de 10%, mas pode cair a quase zero quando o aço entra por Santa Catarina, que concede redução de ICMS. Nada muito novo quando se trata de commodities e seus ciclos, mas um problema real.
Da mesma forma, os setores produtivos que consomem aço estão alarmados com a possibilidade de mais esse aumento de custos. Segundo esses fabricantes, automóveis, máquinas e equipamentos, eletrônicos e imóveis do “Minha Casa, Minha Vida”, entre outros bens, ficarão mais caros se a tarifa subir. E, assim como já começou na siderurgia, haverá demissão, em indústrias que são grandes empregadoras.
Segundo o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, o pleito das siderúrgicas gera distorções — ao não destacar, por exemplo, que o aumento de importações se dá sobretudo em laminados a quente — e penaliza setores que, hoje, têm concorrência mais acirrada com importados do que o próprio aço.
Em máquinas e equipamentos, comentou, as importações já respondem por 45% do consumo aparente nacional. “Uma medida como essa, que protegeria a matéria-prima e não o bem transformado, traria uma mensagem contraditória ao objetivo de reindustrialização”, disse Velloso ao Valor. “Ela aumenta o custo do investimento no Brasil”, acrescentou. Importante consumidora de aços longos, a construção alega que apenas 4% do vergalhão usado no país é importado. Para o fio máquina, que é mais usado na construção de baixa renda — como Minha Casa, Minha Vida —, essa fatia é de 10%, e ambos seriam afetados se o pleito das siderúrgicas for atendido.
Em todos os casos — produtores de aço e consumidores —, a constatação é a de que o país tem um grave e antigo problema estrutural, o chamado custo Brasil. Somente reformas profundas poderiam equiparar a produção nacional e a internacional em termos de competitividade, e isso ainda levará anos. Neste momento, como diz o ditado, em casa onde falta pão, todos brigam e ninguém tem razão. Cada vez mais, a leitura é que a decisão do governo sobre o aço acabará sendo política.
Fonte: Valor
Seção: Siderurgia & Mineração
Publicação: 24/11/2023