A cúpula do governo busca soluções para atender ao pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva por medidas urgentes para conter a alta do preço dos alimentos. Entretanto, sem espaço fiscal para aumentar gastos públicos e com a preocupação do mercado em relação a possíveis ações intervencionistas, há muitas dificuldades para encontrar soluções que possam surtir efeito no curto prazo. No Palácio do Planalto, há mais certeza sobre o que não fazer do que sobre o que pode ser feito.
Nessa quinta-feira (23), rumores de que o plano poderia envolver medidas com impacto fiscal para melhorar a popularidade do governo, como a concessão de subsídios, causaram estresse no mercado financeiro. Também houve uma reunião entre os ministros Rui Costa (Casa Civil), Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) e Carlos Fávaro (Agricultura) para fechar um leque de propostas que serão levadas nesta sexta-feira (24) a Lula, que cobrou dos auxiliares em recente reunião ministerial rapidez na elaboração de um plano para baratear o preço da comida. O que Lula pretende é reduzir o custo de alimentos básicos para a população brasileira, como arroz, feijão e carnes, que vem contribuindo para aumentar a insatisfação popular com o governo.
A expectativa, porém, é que não haja anúncios nos próximos dias. Do encontro de hoje, sairá o esboço de um plano que será discutido com os setores privados envolvidos e dentro do próprio governo. Assim, a formalização das medidas pode ocorrer apenas na primeira semana de fevereiro.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, descartou que o governo esteja estudando subsídios ou redução de tributos para baratear o preço da comida. E chamou de “boataria” as informações de que o governo prepara alguma política de subsídio para esse fim.
“É uma boataria que interessa a algumas pessoas. Não há espaço fiscal para isso e não há necessidade de espaço fiscal, porque o que vai resolver esse problema não é esse tipo de medida. É nós melhorarmos a concorrência, melhorarmos ambiente de negócio, melhorarmos as nossas compras externas. Continuarmos perseguindo esses objetivos”, frisou.
Nova reunião ocorre hoje, mas expectativa é que não haja anúncios nos próximos dias
Ele disse que uma opção estudada é melhorar a portabilidade do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT). A queda do dólar e a safra em 2025 também devem ajudar na redução dos preços.
“Acredito que nós temos um espaço para melhorar a qualidade do Programa de Alimentação do Trabalhador. Eu penso que tem um espaço ali regulatório que caberia ao Banco Central [regulamentar]”, disse Haddad, ao se referir à questão da portabilidade do programa. “A portabilidade está prevista em lei, mas não está funcionando adequadamente por falta de regulamentação por parte do Banco Central.”
Para ele, se essa questão for bem regulamentada, há espaço para uma “queda do preço da alimentação”, inclusive a feita fora de casa.
“Se você barateia a intermediação, se ele [trabalhador] não vê a necessidade da venda do crédito dele, pode ter um efeito favorável no preço dos alimentos”, explicou.
Fontes do governo asseguram que está descartada a ideia de usar importações e a de abrandar regras de vencimento de produtos alimentícios. Tampouco haverá medidas com grande impacto orçamentário, asseguram.
A flexibilização das normas de vencimento dos alimentos é uma sugestão feita a Lula pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras), no fim do ano passado. Entretanto, o governo e o presidente, que já enfrentam uma crise de imagem e comunicação, não querem dar margem à ideia de que estão permitindo a venda de comida estragada à população.
Sobre essa proposta, Haddad disse que a Abras tem o direito de fazer sugestões ao governo, mas que não necessariamente se transformarão em políticas públicas.
Haddad afirmou ainda que as projeções da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda indicam que haverá uma “grande safra” em 2025, o que ajudará a reduzir o preço dos alimentos. Além disso, o dólar vem caindo em relação ao real, o que também deve ajudar.
Nesta semana, o presidente da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), Edegar Pretto, disse à reportagem que a estatal tem trabalhado na elaboração de um novo programa para criar uma rede popular de abastecimento alimentar. A ideia é mapear territórios onde a população mais pobre tem pagado mais caro para se alimentar. E, assim, tentar intervir para garantir preços mais justos nos alimentos para a parcela mais carente da sociedade, principalmente nas periferias das cidades.
Entretanto, essa ideia não foi levada à mesa na reunião entre Rui Costa, Fávaro e Teixeira.
A importação de itens básicos, por sua vez, traz más lembranças ao governo, especialmente a Fávaro. No primeiro semestre do ano passado, também em meio a uma alta inflação dos alimentos, Lula decidiu importar arroz para suprir a escassez do produto gerada pela tragédia no Rio Grande o Sul. A medida foi contestada na Justiça por produtores. E o leilão para a importação do grão acabou sendo anulado em junho de 2024, em meio a suspeitas de irregularidades. O secretário de Política Agrícola, Neri Geller, foi demitido após a descoberta de que um ex-assessor, que é sócio de um filho dele em uma empresa, foi um dos negociadores do leilão.
Receoso, Fávaro vai ouvir o setor das carnes para saber o que pode ser feito. As principais entidades do setor, no entanto, ainda não foram chamadas para conversar. Quanto ao arroz, um técnico disse que não há nada para se fazer agora, apenas aguardar a colheita da safra, em março, quando os preços podem recuar.
Com pouco espaço fiscal e político para agir ou intervir no mercado, as medidas em gestação podem não ter efeito de curto prazo, como pretende Lula.
Uma fonte graduada do Ministério Agricultura diz que “não existe mágica nem coelho para tirar da cartola”, ressaltando que o Brasil é “uma economia de mercado”.
A pasta tem reiterado nas conversas com o Palácio do Planalto que não há falta de alimento e que o país é superavitário em quase todos os produtos agrícolas - menos no trigo.
Nas conversas sobre o tema, existe a avaliação de que um dos vilões da alta dos alimentos no Brasil é o dólar. O aumento do poder aquisitivo da população também influencia. Algumas alas do governo creem que o plantio em larga escala de soja no país tira espaço para produção de alimentos básicos, o que afeta os preços finais. Mas, para integrantes da pasta da Agricultura, essa análise é fruto de uma “visão ideológica”.
Fonte: Valor
Seção: Indústria & Economia
Publicação: 24/01/2025
24-01-2025 Indústria e Comércio
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