No mundo dos negócios, quando duas empresas negociam uma associação ou compra de fatia acionária, mas a transação ainda não está fechada, os executivos costumam usar uma figura de linguagem segundo a qual existe um “namoro”, embora o “casamento” ainda possa demorar. Mesmo que a metáfora seja surrada, ela se aplica bem ao caso da mineradora Vale, uma das principais ações da bolsa brasileira. Em outubro de 2022, tornou-se pública a informação de que a companhia buscava um sócio para a unidade de metais básicos, o qual poderia comprar participação de 10% do negócio por cerca de US$ 2,5 bilhões.
Desde então o “namoro” avançou e está próximo de virar compromisso firme, o que é esperado para agosto ou setembro deste ano, apurou o Valor. O pretendente é o fundo soberano saudita, o Fundo de Investimento Público (PIF). Em maio, este jornal publicou que a mineradora havia recebido uma série de propostas vinculantes envolvendo os metais básicos.
Houve muitos interessados na transação. A lista, dizem fontes, começou com mais de 20 potenciais parceiros, foi reduzida para pouco mais de uma dezena para ser limitada, no fim, a meia dúzia. Na reportagem de maio, o Valor informou que a lista de interessados incluía grandes empresas da indústria automobilística, caso da GM, mas também fundos soberanos e de pensão, aí considerados o CPP, do Canadá, e os árabes QIA, do Qatar, e PIF, da Arábia Saudita. A relação considerava ainda tradings como a japonesa Mitsui, cujo grupo econômico é sócio da Vale.
A Vale não endossa publicamente nenhum dos nomes. Na terça (20), em comunicado ao mercado, confirmou que está buscando “ativamente” parceria para o negócio de metais não ferrosos como parte da estratégia de atrair investimentos e acelerar o crescimento do negócio. “A Vale vem atualizando o mercado sobre este assunto de forma regular, no entanto, neste estágio, não pode confirmar ainda o valor de um eventual investimento nem as partes envolvidas”, disse em um trecho do comunicado. Informou ainda que a transação faz parte de uma série de ações estratégicas, tomadas ao longo dos últimos 18 meses, para melhor posicionar o que chamou de Vale Metais Básicos e acelerar os planos de crescimento da empresa no Brasil, Indonésia e Canadá, países onde tem suas operações de produção de cobre e níquel, os principais produtos metálicos do portfólio.
Especialistas habituados a operações de fusão e aquisição (M&A, na sigla em inglês) dizem que transações como a que a Vale conduz nos metais precisam passar por diferentes etapas. Esse processo começa com ofertas não vinculantes para se chegar a propostas firmes. O candidato escolhido faz auditorias (“due diligence”, na linguagem corporativa) e entra-se então na fase final de contratos e documentações.
Embora o preço seja um fator importante para a transação, há outros elementos considerados e que, no caso da Vale, também têm peso relevante. O alinhamento na visão de governança corporativa é um deles. Fontes dizem que a proposta do PIF foi mais interessante para a Vale por considerar esses fatores combinados. O fundo soberano saudita também teria sido mais flexível em alguns pontos, tendo exigido condições consideradas “mínimas” para o acordo.
Um executivo disse que há casos em que o potencial parceiro pode exigir um acordo mais restritivo, o que tenderia a dificultar, por exemplo, a entrada de outros parceiros no negócio no futuro. Não parece ser o caso com PIF. A transação já recebeu sinal verde do conselho de administração da mineradora e existe a possibilidade, mesmo que remota, de que os sauditas, se assim o desejarem, tragam com eles outro investidor ao qual poderiam ceder uma parte da fatia dos 10% no negócio.
O M&A nos metais na Vale é complexo e vem demorando pois trata-se de um negócio de grande monta. A Vale é a segunda maior produtora de níquel do mundo, atrás da russa Nornickel, e tem ativos de porte em cobre, embora não esteja entre os líderes no setor. Tomando por base o montante da transação (US$ 2,5 bilhões por 10% do negócio), se conclui que a unidade de metais da mineradora está sendo avaliada na casa dos US$ 25 bilhões (R$ 120 bilhões).
O presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo, disse ao Valor, em dezembro, que a nova empresa de metais pode vir a superar o próprio valor de mercado da mineradora. Na sexta-feira (23), esse valor era de US$ 62,6 bilhões (R$ 299,1 bilhões), segundo o ValorData.
Todo o dinheiro arrecadado na transação será destinado ao caixa da nova empresa, que deverá ter sede em Toronto, no Canadá. Esse aporte de caixa será importante para fazer crescer o negócio. Só no Brasil existe a expectativa de que a empresa invista cerca de R$ 50 bilhões na próxima década em projetos de cobre e níquel na região Norte do país, entre expansões e projetos novos.
Em termos globais, considerando as operações também no Canadá e na Indonésia, a expectativa da Vale é triplicar a produção de cobre e também elevar o volume produzido de níquel. No Vale Day, encontro com investidores na bolsa de Nova York em dezembro, a Vale projetou que a produção de cobre possa chegar a cerca de 900 mil toneladas a partir de 2030 ante um volume de 253 mil toneladas em 2022. No níquel, a estimativa é alcançar mais de 300 mil toneladas no mesmo horizonte de tempo diante de 179 mil toneladas no ano passado.
O pano de fundo de todo esse movimento é a transição energética, a busca de governos e empresas por investir em fontes de energia mais limpas e reduzir as emissões de gases poluentes. Metais como cobre, níquel, cobalto e lítio são insumos para a produção de carros elétricos. O cobre também é usado como matéria-prima para projetos de geração eólica e solar.
Como a própria Vale indicou no comunicado de terça-feira (20), a empresa vem trabalhando há um ano e meio na separação do negócio de metais do restante da companhia, cujo carro-chefe é o minério de ferro, insumo da indústria siderúrgica para produzir aço. Com a separação dos metais, a Vale deve ter dois negócios independentes: minério de ferro e metais básicos.
Em relatório sobre os metais este ano, o BTG Pactual avaliou que a transação vai permitir à Vale ter duas histórias diferentes. Uma é a do minério de ferro, atividade que continuará a ser uma forte geradora de caixa (“cash cow”). Nesse segmento, disse o banco, as oportunidades de crescimento são limitadas e há perspectiva de que a geração de caixa livre siga sendo destinada para os acionistas na forma de dividendos e recompra de ações. Já o negócio dos metais é visto como uma plataforma para a transição energética que vai exigir fortes investimentos para atender a demanda do mercado.
Nesse período de 18 meses, no qual a Vale vem trabalhando na cisão dos metais, houve a separação gerencial do negócio. Foi contratado Mark Cutifani, ex-CEO da Anglo American, para o cargo de “chairman” da nova empresa. O colegiado também será integrado por Jerome Guillen, ex-executivo da Tesla. O novo sócio da Vale nos metais também terá um assento no conselho da nova companhia, que contará ainda com a participação de Eduardo Bartolomeo, o CEO da mineradora.
O cargo de presidente-executivo da nova empresa deverá ser ocupado por Deshnee Naidoo, que assumiu a vice-presidência de metais básicos da Vale em dezembro de 2021. Apesar de todos os esforços, a Valeainda tem um longo caminho e um dever de casa a fazer nos metais, negócio no qual a empresa perdeu muito dinheiro na última década e meia por problemas operacionais nas minas herdadas da antigo Inco, no Canadá e na Nova Caledônia, esta já vendida. A expectativa é que o novo sócio chegue para facilitar essa nova fase de crescimento. Mas só o tempo dirá se o casamento vai dar certo.
Fonte: Valor
Seção: Siderurgia & Mineração
Publicação: 26/06/2023
26-06-2023 Siderurgia & Mineração
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