Construção civil não tem incentivos para instalar energia solar em empreendimentos

Construção civil não tem incentivos para instalar energia solar em empreendimentos

Mesmo sem incentivos a energia solar avança, porém a população de baixa renda está longe de ter acesso a essa energia limpa, que pode trazer economia para essas famílias. As construtoras até querem investir nas placas fotovoltaicas para os novos empreendimentos, mas há dificuldades como espaço físico, custos e falta de incentivos.

O professor de engenharia elétrica do IMT (Instituto Mauá de Tecnologia), Edval Delbone, acha necessária a criação de incentivos para os empreendimentos imobiliários, residenciais, comerciais e industriais por parte das prefeituras. “É uma energia limpa, renovável, que ajuda na diminuição do gás carbônico na atmosfera, o grande objetivo mundial, a única ressalva é se o dinheiro para incentivar essa energia solar tiver vindo daquelas pessoas que não podem tê-la, dos impostos dos contribuintes que não podem ter a energia fotovoltaica estarem contribuindo para beneficiar outros segmentos, mas tirando isso acho importante estimular porque temos que ter cidades mais sustentáveis”, observa.

Segundo Delbone, qualquer empreendimento habitacional pode ter placas para a captação da energia solar, mas isso não é viável na maioria dos empreendimentos verticalizados por conta da área menor a ser aproveitada para a instalação das placas fotovoltaicas. O professor diz que os edifícios têm poucas áreas comuns e as garagens ficam no subsolo, com isso a única área comum fica no teto dos edifícios e é uma área muito pequena para comportar placas solares para todos os moradores.

“Estão estudando o uso de placas, como um filme, que fica no vidro das janelas dos prédios comerciais, mas ainda se traz baixa eficiência e preço muito alto. Futuramente isso pode ser alternativa, mas agora ainda não por ter baixa eficiência e ainda um preço elevado”, detalha o engenheiro elétrico da Mauá.

Retorno financeiro não é imediato

Como retorno financeiro, através de watts/hora de energia gerada, Delbone aponta que nos grandes empreendimentos industriais, com grandes telhados, o retorno financeiro do investimento em placas solares não é mais rápido do que o realizado em áreas menores, como se imagina. “O telhado é grande, mas também o investimento é maior, então se investe mais para gerar mais, mas o retorno do investimento acaba sendo em igual período.

O professor do IMT diz que o uso da energia solar se populariza no Brasil, mas ainda as populações de baixa renda ainda vão demorar um bom tempo para ter acesso a essa tecnologia. Conta que quando a energia solar começou a crescer no Brasil, em meados de 2013, havia poucas usinas solares, tinha meio gigawatt, hoje chega a 40 gigawatts, então quando passa a ter mais adesão, os preços começam a baratear as placas, inversores e todos os equipamentos envolvidos na usina solar.

“Esse preço só não caiu mais por causa da cotação do dólar, já que a maioria dos equipamentos são importados. Mesmo com o dólar subindo o preço para o consumidor caiu por causa da produção em grande escala. Hoje a classe média já tem acesso, a classe média baixa alguns já têm acesso, mas o consumidor de baixa renda ainda não tem condições de ter energia solar e acredito que isso vá demorar bastante tempo”, completa.

Potencial construtivo

Para o diretor técnico da construtora MBigucci, Milton Bigucci Júnior, não há entraves para a implantação de sistemas solares nos novos empreendimentos, mas também não há incentivos. “Se há alguma forma de incentivo eu desconheço. Na Capital, existe uma coisa que se chama cota ambiental, são uma série de conceitos que, se a construtora atender, ganha um percentual construtivo maior. Se, por exemplo, eu implantar jardim permeável ou uma caixa coletora de água de chuva, eu posso ganhar mais potencial construtivo, a cada item que a gente incorpora eu fico autorizado a construir mais. O mesmo valeria para a energia solar. Isso poderia ter aqui no ABC também”, sugere.

A MBigucci, que além de condomínios residenciais, construiu dois centros logísticos, em Diadema e Santo André, já implantou placas fotovoltaicas para aproveitar a grande área de telhado destes imóveis. “No MBigucci Business Park de Diadema, a instalação foi concluída há alguns meses, é uma usina solar que já traz retorno, mas a expectativa de retorno do investimento é de três a quatro anos”, diz Bigucci Júnior. A energia gerada por essa usina é levada para a rede da Enel e retorna para o empreendimento como desconto na conta de luz.

O diretor da MBigucci diz que o mercado vê muito bem iniciativas relacionadas ao cuidado com o meio ambiente, mas a conta ainda não fecha para os empreendimentos residenciais. Conta que estudo interno mostrou que implantação nos imóveis residenciais ainda não é interessante, por causa da escassez de áreas para as placas solares, e colocar em uma área reduzida não traria efeito.

“A gente fala de um retorno na conta de energia de uma porcentagem da conta de luz das áreas comuns, o que é pequeno. Esse é um apelo de marketing válido, mas ainda não é tão relevante como a vaga para carro elétrico, que hoje já é uma realidade nos novos empreendimentos”, completa Milton Bigucci Júnior.

Marcus Santaguita, presidente da construtora Jacy e do Grupo Motiró Negócios Imobiliários, considera que a energia solar é uma oportunidade de negócio e um bom atrativo para os novos empreendimentos.

Argumento de venda

Nos últimos anos houve um aumento no número de empreendimentos que estão sendo entregues com o sistema de placas fotovoltaicas para captação de energia solar. Santaguita considera um grande benefício para o futuro condomínio, pois o sistema consegue abastecer parcialmente e, em alguns casos, totalmente o consumo de energia elétrica das áreas comuns. “Inclusive esse é um item usado como argumento de venda tendo uma ótima aceitação do público por ser sustentável e por trazer economia. Pode ser um item que leve o consumidor a optar entre um empreendimento que tenha o sistema em detrimento de outro que não tenha”, aponta.

Santaguita cita as dificuldades que ainda emperram o uso maior dos sistemas de energia solar pelos empreendimentos. O sistema normalmente é instalado no topo dos prédios, fica limitado à área de laje ou de telhado existente. A depender da área de laje, o sistema pode suprir a totalidade do consumo das áreas comuns, embora seja normal que atenda parcialmente.

“O que vejo como dificultador para instalação é o custo do sistema, que dependendo do padrão do empreendimento pode não ser viável a implantação. Em muitos casos em que isso ocorre, as construtoras deixam toda a infraestrutura pronta para futura instalação do sistema pelo condomínio”, diz.

Tributação invés de estímulo

Apesar de acreditar na energia solar como item de valor nos novos empreendimentos, Santaguita lamenta a falta de incentivo dos governos. “Em se falando de poder público, o incentivo é zero, aliás pelo contrário existem projetos de lei para tributar a energia gerada. Isso é um absurdo, pois ao invés de o governo incentivar o tipo de iniciativa ele acaba inibindo com eventual tributação”, completa.

Julio Diaz Cabricano, que dirige a Suporte Engenharia e preside a Acigabc (Associação das Construtoras e Imobiliárias do Grande ABC), também considera que a prática de compensações para quem investir em itens sustentáveis nas obras, adotada na Capital, é positiva e poderia também ocorrer no ABC.

“Só São Bernardo ficou de apresentar isso no Plano Diretor, mas ainda nada foi feito. Eu vejo isso como uma necessidade, não quer dizer que todas as construtoras vão implantar porque ainda é um custo elevado, mas muitas já o fazem e em alguns casos não instalam, mas já deixam toda a infraestrutura pronta para que, se o condomínio quiser fazer, já uma grande parte já está pronta”, diz o presidente da Acigabc.

Da mesma forma que a discussão sobre as vagas para carros elétricos em condomínios, o que hoje já é uma realidade em muitos empreendimentos e cuja regulamentação ainda está em discussão, o uso da energia solar também é uma tendência, segundo a avaliação de Cabricano. “É uma realidade e vejo como uma necessidade, um importante item de marketing para a obra. Vejo que já está acontecendo nos empreendimentos mais luxuosos, nos mais populares é mais difícil acontecer. Eu avalio que, mesmo que se implante em áreas pequenas, tudo o que puder contribuir para diminuir a conta de energia será positivo”, completa.

Prefeituras

As prefeituras da região não informaram sobre programas de incentivo para as construtoras entregarem os novos empreendimentos já com com as placas solares, mas relataram o uso já em empreendimentos populares, caso de São Bernardo, e em equipamentos públicos.

São Bernardo iniciou a utilização de tecnologia de energia fotovoltaica em empreendimentos habitacionais. O primeiro projeto a incluir sistema de iluminação com esta tecnologia é o Condomínio Silvina Audi. O sistema atenderá áreas comuns do condomínio, que possui dois prédios e um total de 196 apartamentos, segundo relata o município.

Ainda de acordo com a administração, São Bernardo foi contemplado em projeto de eficiência energética da Enel para modernizar o Hospital de Clínicas Municipal José Alencar, no Grande Alvarenga. Em notas, diz que iniciativa, com investimento de R$ 4,49 milhões totalmente financiado pela concessionária, prevê a troca dos chillers (sistema de refrigeração) por equipamentos de alta eficiência e a implantação de sistema de microgeração solar fotovoltaica de 62,7 kWp, gerando economia de cerca de 30% no consumo atual, equivalente a 2.061.400 kWh por ano.

Santo André tem quatro usinas

Santo André apostou na energia solar ao instalar usinas em terrenos e em um prédio público. O município informa que realizou a implantação de quatro usinas fotovoltaicas (uma no Jardim Las Vegas, uma na avenida dos Estados e duas no bairro Cidade São Jorge), todas em operação no momento, sendo a mais recente (UPES IV) entregue em 6 de setembro de 2025. Ao total, foram instalados 8.820 painéis solares, investimento de aproximadamente R$ 41.812.483,68. Além da implantação das quatro usinas, a Prefeitura conta com um equipamento da Educação (o Cesa Parque Erasmo Assunção) e um outro em fase de aprovação dentro do programa Procel de conservação energética. A ampliação de investimento é estudada, devido ao alto valor a ser investido, disponibilidade de área para implantação e demanda para as compensações, completa a nota.

Santo André informa, ainda, que só um equipamento público municipal já conta com energia fotovoltaica, mas não especifica qual imóvel é esse. Esse equipamento possui o sistema de geração de energia por meio de placas solares, onde a energia é disponibilizada na rede no sistema “on grid” e compensada na própria unidade. A média de produção mensal é de 2.313 kwh/mês.

O plano de governo em Rio Grande da Serra já prevê o uso das placas solares com a instalação de sistemas solares em prédios públicos e a criação de programas e incentivos para que a população e novos empreendimentos também adotem essa tecnologia. Além disso, estão em andamento estudos de viabilidade para a aquisição de energia de fazendas solares, medida que pode resultar em até 20% de redução nas despesas com energia elétrica, sem necessidade de investimentos diretos, beneficiando o município, os empreendedores e os cofres públicos. Essas iniciativas encontram-se em fase de planejamento e de estabelecimento de parcerias, integrando as prioridades da administração e com previsão de implantação até o final do mandato, informa o município em nota.

A Prefeitura de Diadema, por outro lado, não tem apostado ainda nessa tecnologia. São Caetano, Mauá e Ribeirão Pires não responderam.

 
Fonte: Repórter Diário
Seção: Construção, Obras & Infraestrutura
Publicação: 22/09/2025