Risco de gargalo e alta de preços são desafios na reconstrução no RS
Risco de gargalo e alta de preços são desafios na reconstrução no RS
A reconstrução do Rio Grande do Sul demandará investimentos bilionários nos próximos anos, mas a necessidade de recursos não é o único desafio. Uma das preocupações que já começa a surgir é o risco de gargalos na execução das centenas de obras que serão necessárias em todo o Estado nos próximos anos e que deverão mobilizar construtoras, fornecedores de diversos tipos de insumos, fabricantes de equipamentos, além de mão de obra de forma intensiva. Há um temor tanto de escassez quanto de disparada de preços desses serviços e produtos, segundo pessoas envolvidas no processo e especialistas em infraestrutura.
O tema já está no radar da Secretaria de Reconstrução Gaúcha. “Teremos de tratar de possíveis gargalos na execução do plano. Haverá muitas obras ao mesmo tempo, tem que ter atenção grande à questão de máquinas, matéria-prima, mão de obra, tudo isso vai ser mobilizado em uma intensidade que nunca se viu”, diz o secretário, Pedro Capeluppi.
Na visão de uma fonte que acompanha o processo, que pediu anonimato, o próprio plano de reconstrução terá de considerar esses gargalos na priorização das ações. Porém, a percepção é que será difícil controlar a pressão inflacionária sobre os custos da reconstrução, já que, além da demanda do poder público, a própria população e empresas locais têm obras a fazer.
Claudio Frischtak, sócio da consultoria Inter.B, aponta que a falta de empreiteiros já é uma realidade no país, por exemplo, no setor de linhas de transmissão de energia.
No caso do Sul, diz ele, há um agravante devido à concentração das obras em território e em um curto espaço de tempo. “Se fosse em dez, 15 anos é uma coisa, mas o Rio Grande do Sul não pode correr o risco de estender a reconstrução. Há o risco econômico de o Estado entrar em depressão e o risco demográfico de a população jovem sair do Estado. Então o processo não pode se arrastar, o que traz esse desafio”, afirma.
Para Renato Correia, presidente da Cbic (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), se houver planejamento não haverá escassez, mas o aumento de preço dos insumos e da mão de obra é algo inevitável e que deverá ser considerado na hora da contratação e da fiscalização das obras.
“É óbvio que o aluguel de máquinas estará mais caro, o custo dos materiais vai subir porque o acesso é difícil, muita coisa terá que vir de fora”, afirma. Ele defende que os órgãos de fiscalização, que são rigorosos em relação ao tema, precisam compreender a situação. “O custo precisa ser olhado com o entendimento da calamidade, porque vai ser acima das tabelas do poder público. Os materiais, o cimento, vão chegar, mas o preço não será o padrão. E vamos precisar contratar assim mesmo, pela emergência”, diz.
Para a construtora Tenda, outro gargalo pode ser a liberação de alvarás para obras de habitação, processo que costuma levar até dois anos na região. Segundo Welinton Costa, diretor regional Sul da empresa, é esperada uma “força-tarefa” nas prefeituras para encurtar o prazo para um ano.
Para ele, um encarecimento de materiais ainda não está no “top 5” de preocupações no momento. A lista é liderada pela disponibilidade de mão de obra, de insumos e de complementação de renda para as famílias atingidas.
Costa prevê aumento na demanda por novas habitações no Sul. No segmento econômico, onde a Tenda atua, isso deve ser potencializado por programas municipais, estaduais e federais, que devem elevar a capacidade de compra dos afetados pela enchente.
"Haverá muitas obras ao mesmo tempo, uma mobilização em intensidade que nunca se viu”
— Pedro Capeluppi
Já os fornecedores nacionais negam o risco de gargalos. O presidente do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (Snic), Paulo Camillo Penna, diz não acreditar em uma futura “explosão de consumo” de cimento e afirma que, mesmo se houver alta de demanda, o país tem condição de fornecer o material, que poderia sair de outros Estados. Uma importação da Argentina ou do Uruguai não será necessária, segundo ele, destacando que as cimenteiras brasileiras trabalham com 35% de ociosidade.
A InterCement, que tem duas fábricas no Rio Grande do Sul, diz que as unidades estavam operando com 94% e 95% da capacidade antes da enchente, segundo Livio Kuze, CEO da empresa no Brasil. Ele também não acredita em uma explosão de consumo. “Todo aumento agressivo de demanda gera escassez e inflação. O que sentimos é que está sendo bem planejado, para não ter aumento desenfreado de demanda”, afirmou.
Uma das unidades do grupo no Estado fica em Nova Santa Rita, na região metropolitana de Porto Alegre, em um bairro atingido pela enchente. Kuze diz que não houve dano material à planta, que foi usada como abrigo no início das inundações. Depois de duas semanas com operações reduzidas, a empresa já conseguiu retomar 80% das vendas de antes do desastre. Enquanto a produção não voltava, clientes foram buscar cimento na fábrica do grupo em Candiota, 400 km ao sul de Porto Alegre.
A indústria de máquinas também nega que haja risco de escassez ou inflação. “A fabricação dos produtos de linha amarela [de equipamentos usados na construção] está normal, não foi interrompida. As máquinas são vendidas por distribuidores que têm estoque, não vejo problema no fornecimento, diz José Velloso, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).
Ele também diz que o setor tem grande capacidade ociosa na produção. No caso de máquinas rodoviárias, dados da Abimaq apontam que, em 2014, a produção mensal chegou a 5.200 equipamentos por mês e hoje o patamar está em torno de 3.300 mensais. Velloso também afirma que não há espaço para alta de preços porque o mercado tem muita concorrência, em especial de importações da Ásia.
A velocidade necessária para a construção de moradias pode incentivar a entrada da construção industrializada no Estado. Não seria a primeira vez que tragédias do tipo são remediadas dessa maneira. O governo paulista contratou a construção de prédios e casas de “wood-frame”, técnica de construção industrializada em madeira, para receber famílias atingidas pelas chuvas e desmoronamentos em São Sebastião (SP) no início de 2023.
A empresa Tecverde foi a responsável pela obra, que entregou 518 moradias em 9 meses. A Tenda tem uma marca de moradia em wood-frame, a Alea, e tem conversado com o poder público gaúcho. A SteelCorp, companhia que constrói em steel-frame, usando aço, está fechando um contrato privado para erguer 600 casas no bairro de Santa Cecília, em Porto Alegre. O custo será de R$ 92,4 mil por moradia, de 42 m2, abaixo do que é praticado normalmente pela empresa.
Fonte: Valor
Seção: Construção, Obras & Infraestrutura
Publicação: 27/05/2024