Renda volta a crescer com inflação menor e alta do emprego formal

Renda volta a crescer com inflação menor e alta do emprego formal

O rendimento do trabalho voltou a crescer, por uma combinação de menor inflação e composição dos empregos gerados, com mais postos de trabalho com carteira assinada. O movimento sinaliza uma mudança no comportamento da renda, que vinha sendo achatada desde a retomada das atividades presenciais.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua Mensal mostram que a redução da inflação tem tido papel de aumentar o poder de compra da renda, mas as variações nominais também mostram aceleração, segundo o economista Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

Em análise exposta inicialmente na edição de setembro do Boletim Macro, do FGV Ibre, o economista afirma ainda que o efeito composição — que capta alterações nos perfis dos trabalhadores — deixou de contribuir negativamente para a variação média.

“Antes a renda estava sendo puxada em parte por uma composição pior de empregados, o que chamamos de efeito composição. Houve também forte desaceleração da inflação, que tem tido papel importante para a renda voltar a crescer. E não se deve deixar de reconhecer ainda que há um efeito do próprio aumento da renda nominal”, disse Duque ao Valor.

Ele estima que metade do aumento do rendimento se deve à influência da inflação menor e do efeito composição, e metade, ao crescimento da renda nominal. Segundo Duque, agosto é o primeiro mês em que o rendimento volta ao patamar de 2021.

“A renda cai com força no terceiro trimestre de 2021. Começa a crescer no fim do primeiro trimestre deste ano, na margem, e agora volta ao mesmo nível de 2021”, afirma, ao observar que os empregos no setor formal de serviços têm puxado a alta.

Com base nos microdados da Pnad C, a LCA Consultores projeta que o efeito composição vai se dissipar ao longo do ano e que orendimento real médio do trabalho reverta a queda acumulada, terminando o ano próximo de zero.

Cosmo Donato, economista da LCA, lembra que no primeiro momento da pandemia houve aumento forte da renda do trabalho, porque os que ganham menos foram excluídos do mercado.

No processo de flexibilização das restrições sanitárias, muitos aceitaram retornar para o mercado ganhando menos, o que acabou achatando a renda por causa do efeito composição.

A inflação alta tampouco ajudou, afirma. “Essa reversão em termos de efeito composição já atingiu seu patamar mais baixo no fim de 2021, e agora está começando a se normalizar.”

Cálculos da LCA mostram que em 2021 houve queda de 4,5% do rendimento real médio, em relação a 2020. Destes, 2,1 pontos percentuais deveram-se ao efeito composição, e 2,4 pontos, ao efeito nível, que seria o impacto macroeconômico da inflação alta.

De janeiro a junho deste ano, observa, o rendimento médio acumulou queda de 4,2%, na comparação com o mesmo período do ano passado. Donato afirma que, desses, 3,2 pontos percentuais se devem ao efeito composição.

Para o ano cheio, a projeção é de queda de 0,7% do rendimento real médio do trabalho, o que indica forte reversão do efeito composição, em paralelo à deflação, argumenta Donato. “O efeito composição deixará de contribuir negativamente. Ele se diluirá nessa conta”, afirma.

Na avaliação de Lucas Assis, da Tendências Consultoria, a deflação observada nos últimos meses foi o grande fator por trás do aumento do rendimento.

“A expansão do rendimento real habitual foi, fundamentalmente, provocada pela retração da inflação. A desoneração do ICMS, em julho, gerou um impacto baixista significativo sobre os preços de combustíveis e da energia elétrica”, afirma Assis.

Ele também acrescenta que a melhora relativa do mercado de trabalho brasileiro tem gerado efeitos positivos à renda real. Diferentemente de 2021, observa, o crescimento da ocupação tem sido impulsionado pelo aumento do emprego formal, em detrimento do informal.

No trimestre móvel encerrado em agosto, foram mais 5,2 milhões de pessoas no mercado formal, em alta de 9,5% em relação ao mesmo período do ano passado, ante 2,1 milhões a mais no informal, o que representou aumento de 5,7%.

“Não por acaso, o rendimento nominal atingiu o maior patamar da série histórica, no trimestre encerrado em agosto”, diz.

Assim, levando em conta a melhora do mercado de trabalho e a queda da inflação corrente, o rendimento real habitual do trimestre encerrado em agosto ficou em R$ 2.713, uma alta de 0,8% em relação aos três meses até julho, observa Assis. O crescimento é o quarto consecutivo em relação ao trimestre móvel anterior.

Assis acrescenta que agosto marcou o primeiro mês em que o rendimento voltou ao mesmo nível do ano passado, mas a renda segue 3,2% abaixo do nível observado no trimestre móvel encerrado em agosto de 2019, ou seja, antes da pandemia.

Dentre os grupos de atividades em que a alta foi mais intensa, estão agricultura, pecuária, pesca, produção florestal, informação, comunicação, atividades financeiras, imobiliárias, administrativas. Tiveram desempenho ruim alimentação, alojamento, transporte.

O movimento de expansão deve continuar ainda em 2023, quando a projeção é de alta de 2,5% da renda do trabalho, segundo a LCA. Isso porque os efeitos do bom momento econômico de 2022 demoram a ser totalmente absorvidos pelo mercado de trabalho , afirma Donato.

O economista acredita que o pior no que diz respeito à precarização do mercado de trabalho já passou e o que deve definir o ritmo daqui em diante será a inflação. A LCA espera inflação de 5,8% em 2022 e de 5,2% para 2023.

Fonte: Valor
Seção: Indústria & Economia
Publicação: 10/10/2022