Por que carro zero km virou produto de rico e deverá continuar assim

Por que carro zero km virou produto de rico e deverá continuar assim

Carro zero-quilômetro mais barato do Brasil, Fiat Mobi já custa R$ 63.390 e está longe do alcance da maioria da população brasileira Carro zero-quilômetro nunca foi acessível para as massas no Brasil, mas se tornou um produto ainda mais restrito após a pandemia.

A disparada nos preços, o crédito mais caro e a expressiva queda no poder aquisitivo da maior parte da população afastaram a classe média do sonho de ter um veículo novo na garagem - Fiat Mobi e Renault Kwid, as opções mais em conta, já se aproximam dos R$ 65 mil nas respectivas versões de entrada.

Segundo a Mobiauto, desde março de 2020, quando a contaminação pelo coronavírus já se alastrava pelo mundo, os carros zero ficaram 40% mais caros no País. Ao mesmo tempo, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatítisca) informa que apenas no ano passado 7,2 milhões de brasileiros passaram a viver na pobreza.

Especialistas consultados por UOL Carrosdetalham os motivos pelos quais os automóveis se tornaram "produtos de rico", mesmo os modelos mais simples, e destacam que tão cedo esse cenário não irá mudar aqui no Brasil.

De acordo com Flavio Padovan, sócio da consultoria MRD Consulting, fatores como a escassez de microchips, que limita a produção de veículos e força os preços para cima, ainda vão persistir. O mesmo vale para a alta nas taxas de juros, que limita ou até inviabiliza eventual financiamento veicular.

"Esse problema com os chips já melhorou um pouco, mas irá continuar pelo menos até 2023. A guerra da Rússia contra a Ucrânia, grandes fornecedores de insumos para produtos eletrônicos, só agravou a situação", explica Padovan, ex-executivo de montadoras como Ford, Volkswagen e Jaguar Land Rover.

Ele acrescenta que muitas montadoras têm priorizado modelos mais caros na hora de instalar os chips disponíveis nas fábricas, priorizando veículos que proporcionam maior margem de lucro.

Não é por acaso que até modelos de entrada têm aposentado as versões mais simples e acessíveis, diz o especialista - isso contribui para a escalada nos preços.

"Na falta de carro novo em estoque, até os usados ficaram mais caros e isso dez disparar a demanda por serviços de reparação veicular. Muitos deixaram de trocar de carro para arrumar ou reformar o automóvel que já tinham", analisa.

'Carro popular dá prejuízo'

Segundo consultores do setor automotivo, as fabricantes de veículos naturalmente têm ajustado sua gama à realidade de preços mais altos, deixando de oferecer aquele que um dia foi conhecido como "carro popular".

"Não tem jeito. A combinação de alta demanda com pouca oferta tradicionalmente faz com que a indústria elimine os veículos que proporcionam margem baixa e foque automóveis com maior valor agregado, muito mais rentáveis", pondera Padovan.

Ele destaca que os compactos básicos "geralmente" dão prejuízo às montadoras e sua função principal é manter as fábricas operando, de forma a não agravar o rombo nas contas - linhas de montagem ociosas, explica, são outra fonte de prejuízos.

Carros melhores, preços mais altos

Ricardo Bacellar, sócio fundador da Bacellar Advisory Boards e conselheiro da SAE Brasil, afirma que chamar um carro de popular no Brasil é quase "ofensivo", já que a renda média não tem acompanhado a escalada nos preços. O ex-executivo da KPMG Brasil acrescenta que, mesmo após o término dos efeitos da pandemia no mercado, o custo da produção de veículos continuará subindo.

"Os carros têm incorporado um volume cada vez maior de exigências regulatórias relacionadas a emissões, eficiência energética e itens de segurança. Isso requer investimentos crescentes em tecnologia e significa que o tempo do automóvel 'pelado', 'pé de boi', ficou no passado", pondera o consultor.

Para Bacellar, os compactos de entrada ainda dominam a lista dos mais vendidos no País, comprovando sua relevância no mercado e respectiva sobrevida por muito mais anos. Ao mesmo tempo, esses modelos já estão e ficarão ainda mais caros e equipados.

"O Chevrolet Onix é a prova disso. Após ficar cinco meses sem ser produzido no ano passado, apresentou recuperação espetacular no segundo semestre, ao passo que a versão Joy, mais simples e baseada na geração antiga, foi descontinuada no início deste ano devido às baixas vendas, associadas aos elevados investimentos necessários para enquadrá-los na nova legislação de emissões do Proconve L7, que passou a valer em janeiro", opina.

'Veículo pelado não faz mais sentido'

Cassio Pagliarini, da Bright Consulting, concorda com o colega ao dizer que já não faz mais sentido oferecer um veículo sem itens básicos de conforto e tecnologia, justamente devido ao custo maior para fabricá-lo.

"Para vender carro básico, este teria de ser muito mais barato do que é atualmente. Com a alta nos preços, os clientes também ficaram mais exigentes. Hoje, não abrem mão de equipamentos como direção assistida, ar-condicionado, travas e vidros elétricos e algum nível de conectividade. Como a qualidade dos automóveis subiu bastante, devido ao acréscimo de itens tecnológicos obrigatórios, a diferença no custo entre um exemplar 'pelado' e outro um pouco mais equipado ficou pequena".

Com passagens por empresas como Hyundai e Ford, o consultor salienta que essa é a principal razão para o atual sucesso dos SUVs.

"Já que a pessoa vai gastar uma soma considerável, ela dá preferência a veículos que trazem uma percepção de maior valor agregado. Os SUVs oferecem posição de dirigir elevada, maior vão livre do solo e outras qualidades que fazem o consumidor se dispor a pagar mais por esse tipo de automóvel".

Não por acaso, no fim de 2021 a Renault anunciou que vai focar seus investimentos no Brasil para desenvolver e lançar utilitários esportivos, sinalizando que Sandero e Logan não deverão ganhar nova geração no País - os compactos foram renovados recentemente na Europa, onde são vendidos pela subsidiária romena Dacia.

Fonte: UOL
Seção: Automobilística & Autopeças
Publicação: 18/07/2022