Os EUA se cansaram das regras comerciais que ajudaram a criar após 1945
Os EUA se cansaram das regras comerciais que ajudaram a criar após 1945
Os Estados Unidos estão em uma corrida consigo mesmos para ver qual partido consegue empreender a desglobalização mais rapidamente. Na terça-feira (17), Joe Biden impôs tarifas sobre uma série de produtos chineses, inclusive uma de 100% sobre os veículos elétricos. Isso não é nada, disse Donald Trump, que prometeu tarifas de 200% sobre os carros chineses, mais 10% sobre todas as importações de todas as partes do mundo. Biden promete mais.
Nesse ritmo, a dissociação entre os EUA e a China será definida em uma seara bipartidária até novembro. A escolha será entre Biden selar um divórcio ordenado, ou Trump fazê-lo de uma forma caótica, aos trancos a barrancos.
É claro que há muito mais em jogo nas eleições americanas do que aquilo que resta das regras comerciais globais. Se a guerra comercial de Biden ajudar a derrotar Trump em novembro, a observação do passado o julgará gentilmente. O custo de impor novos impostos à classe média americana e adiar a transição dos EUA para a energia verde terá sido compensado pelo benefício de salvar a democracia americana.
Mas não se sabe se a medida de Biden vai se refletir nas pesquisas de intenção de voto. Como Trump sempre fará um lance mais ousado, alguns eleitores poderão optar pela realidade. Em 2019, Biden criticou a guerra comercial de Trump com a China, dizendo que ela prejudicava os agricultores e fabricantes dos EUA. “É fácil ser durão quando outra pessoa é que vai sofrer”, disse Biden. Após uma revisão de quatro anos, Biden disse esta semana que manterá todas as tarifas impostas à China por Trump e aumentará outras.
Seja como for, o sentido de deslocamento dos EUA é agourento. A uma velocidade ou outra, republicanos e democratas são, agora, a favor de erguer barreiras em torno dos EUA. Os argumentos econômicos e sobre as mudanças climáticas de Biden falham pelos seus próprios méritos. A barreira protecionista de Biden eventualmente criará e apoiará “milhares de empregos sindicalizados”, como ele disse. Mas isso vai impor um custo a milhões de empregos existentes que dependem de insumos baratos de aço e alumínio para o que produzem. Isso sem contar o custo das prováveis medidas retaliatórias da China que visarão as exportações dos EUA.
Como Biden sabia em 2019, mas parece ter esquecido, os custos das tarifas recaem sobre os consumidores, e não sobre os importadores. Os principais alvos de Biden são os painéis solares, baterias e carros elétricos. Estes são bens de capital intensivo. O emprego no setor industrial vem caindo no mundo todo, inclusive na própria China. Para obter o ganho simbólico de um punhado de empregos vigorosos, Biden está impondo um amplo imposto sobre a classe média e minando a competitividade dos EUA.
Depois, há o impacto sobre sua política para as mudanças climáticas. O custo de todas as formas de energia renovável despencou na última década, principalmente por causa da China. Parte da vantagem competitiva da China foi obtida com subsídios. O resto se deu devido à feroz concorrência interna e a escala de seu mercado interno. Os EUA estão seguindo a página errada do livro da China. O efeito Biden será aumentar os preços no mercado interno dos veículos elétricos, painéis solares e outros insumos verdes, além de atrasar a transição energética do país. Isso também irá afastar os EUA dos mercados de exportação. A China continuará vendendo barato seus veículos elétricos e suprimentos de energias renováveis para o resto do mundo.
Biden não ofereceu nenhuma lista das medidas que a China deveria adotar para se enquadrar nas regras dos EUA. Isso porque não há regras. Sucessivos governos americanos incapacitaram as operações da Organização Mundial do Comércio (OMC) que teriam julgado injustos os subsídios chineses. O próprio Biden está subsidiando a energia verde nos EUA com a Lei de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês) de 2022. Na verdade, a humanidade como um todo está se beneficiando da corrida dos subsídios à energia verde.
Infelizmente, os EUA não estão executando sua política industrial tão bem quanto a China. Quase dois anos depois da aprovação da IRA, os EUA instalaram apenas sete novas estações de recarga de veículos elétricos cobrindo um total de 38 pontos para os motoristas. Isso não cobriria um subúrbio de Luxemburgo.
Segurança nacional
O outro motivo para o protecionismo dos EUA é a segurança nacional. Isso explica o chamado “quintal pequeno, cerca alta” de Biden, que proíbe a exportação para a China de semicondutores de ponta e equipamentos que possam ser usados com fins militares e também com propósitos civis. Ainda não se sabe se isso vai desacelerar a expansão militar da China ou acelerar sua mudança interna na curva do valor agregado. Mas a tese de Biden é sólida. Não faz sentido vender tecnologia militar para um inimigo em potencial.
Contra isso, porém, estão os custos incontáveis da desglobalização para a segurança nacional. A última vez que o mundo se deparou com uma ascensão do populismo foi na década de 30. A resposta inicial dos EUA foi piorar a situação. A Lei Smoot-Hawley de 1930 aumentou as barreiras tarifárias dos EUA e desencadeou o protecionismo do tipo “empobreça seu vizinho” em outras partes do mundo. Desta vez, novamente, o instinto dos EUA é se desengajar: Trump em todas as frentes, incluindo as alianças militares; Biden apenas na frente econômica.
Os EUA cansaram de defender as regras que criaram na esteira da mais devastadora guerra da História. As armas nucleares provavelmente garantirão que não haja uma repetição da Segunda Guerra porque isso equivaleria a um suicídio coletivo. Hoje, a maior ameaça é o aquecimento global. Na terça-feira (14), Biden desacelerou a transição dos EUA para a energia verde e levou o país um passo mais perto de uma disputa de soma zero com a China. A única justificativa convincente é que isso poderá ajudá-lo nas urnas
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Fonte: Financial Times
Seção: Indústria & Economia
Publicação: 17/05/2024