O que está em jogo para a economia mundial com as sanções à Rússia

O que está em jogo para a economia mundial com as sanções à Rússia

inda se recuperando da covid-19, a economia mundial enfrenta agora a ameaça de um aumento nos preços da energia à medida que o impasse entre o Ocidente e a Rússia aumenta. Os EUA e seus aliados anunciaram sanções limitadas na terça-feira em resposta à decisão do presidente russo, Vladimir Putin, de reconhecer duas repúblicas separatistas na Ucrânia, e alertaram que penalidades mais duras poderão ser impostas.

A crise elevou os preços do petróleo perto dos US$ 100 o barril e provocou tremores também em outros mercados de commodities, ameaçando causar outra onda de pressões sobre os preços, além da já alta inflação causada pela pandemia. A Rússia é uma potência das commodities e grande fornecedor de energia para a Europa.

As nações ocidentais estão agora entre o desejo de endurecer sanções e a preocupação de que elas próprias venham a sofrer os efeitos delas. Por enquanto a Europa e os EUA evitam bloquear as exportações de energia da Rússia. Mesmo assim, o presidente dos EUA, Joe Biden, alertou os americanos que haverá um preço a pagar nas bombas de gasolina em casa.

Segue o detalhamento de como a crise na Ucrânia afeta a economia mundial e quem deve perder mais.

1. Europa exposta

Embora não tenha havido uma interrupção dos fluxos de commodities, os temores de uma escalada provocaram nas últimas semanas uma disparada nos preços de tudo — de petróleo e gás a trigo, fertilizantes e metais industriais. Na Europa, que compra da Rússia mais da metade do petróleo e gás que consome, famílias já pagam contas de luz e aquecimento maiores.

Custos da energia responderam por mais da metade da inflação recorde registrada na zona do euro em janeiro. As incertezas quanto ao futuro dos suprimentos russos poderão tornar esse aperto ainda pior. Autoridades do Banco Central Europeu (BCE) afirmam que os preços da energia persistentemente altos podem desacelerar a recuperação da economia ao deixar as famílias com menos dinheiro para gastar em outras coisas e corroer as margens de lucro das empresas.

Economistas do JP Morgan reduziram previsões de crescimento da zona do euro no primeiro trimestre de 1,5% para 1%, embora ainda acreditem que a economia voltará ao caminho do crescimento pré-pandemia até o fim do ano.

A Alemanha, que pretende desativar todas as suas usinas nucleares até o fim do ano, é particularmente dependente da importação de gás, motivo pelo qual investiu no gasoduto Nord Stream2 de US$ 11 bilhões para dobrar o fornecimento da Rússia. O projeto foi concluído em 2021 e aguarda aprovação das autoridades reguladoras, mas agora ele foi suspenso como parte das medidas contra a Rússia.

2. Segurança alimentar

Rússia e Ucrânia são grandes fornecedores de trigo e os preços aumentaram com os operadores preocupados com a possibilidade de interrupção dos embarques pelo Mar Negro. Isso é especialmente preocupante para países do norte da África, onde a alta dos custos do pão desencadeou no passado distúrbios e a queda de governos.

As economias em desenvolvimento, onde os preços dos alimentos e da energia pesam mais sobre o orçamento familiar, já vinham se recuperando mais lentamente da pandemia do que as economias desenvolvidas. Elas também tiveram de aumentar as taxas de juros mais rapidamente para conter a inflação e evitar a fuga de capitais.

Uma grande escalada no impasse na Ucrânia, que está aumentando os preços da energia e dos alimentos, poderá “exigir outra rodada de aumentos”, disse Elina Ribakova, vice-economista-chefe do International Institute of Finance (IIF) de Washington.

3. Metais são área de risco

O conflito militar ou sanções mais punitivas poderão interromper as exportações russas de paládio – metal usado na produção de catalisadores que reduzem as emissões de poluentes dos automóveis -, alumínio e aço, segundo afirma um relatório recente do Rabobank. A importância estratégica desses materiais poderá torná-los menos propensos a serem alvos das sanções ocidentais.

4. Riscos políticos para Biden

Ao contrário da Europa, os EUA são um grande produtor e exportador de energia, de modo que sua economia está menos exposta. Mesmo assim há riscos políticos para Biden — cujos colegas democratas terão de defender suas apertadas maiorias no Congresso nas eleições deste ano — com o aumento do preços da gasolina. No pronunciamento que fez na terça-feira, Biden disse que os EUA estão trabalhando com outros países para amenizar quaisquer impactos. No entanto, ele não deu detalhes.

Peter Harrell, uma autoridade do Conselho de Segurança Nacional, disse à Bloomberg Television que as medidas contra a Rússia não deverão afetar muito as cadeias de suprimentos dos EUA. “Fizemos um exercício de mapeamento muito bem pensado nos últimos dois meses para entender onde temos dependências da Rússia, e trabalhamos com as empresas para diversificá-las”, disse ele.

5. Resiliência global

Mesmo assim, a maioria dos economistas acredita que eventuais picos de preços decorrentes do impasse na Ucrânia terão vida curta, o que significa que eles não alimentarão as expectativas salariais, nem levarão a uma inflação duradoura. Isso permitiria aos bancos centrais se ater aos planos atuais, que envolvem o aperto da política monetária o suficiente para amortecer as pressões sobre os preços, mas não a ponto de inviabilizar a recuperação pós-covid.

“As preocupações do mercado com o cenário mais extremo provavelmente são exageradas”, diz Paul Donovan, economista-chefe global do UBS em Londres. “Os mercados se esquecem que as pessoas se adaptam às crises e encontram eficiências. Na Europa, poderemos ver campanhas para que as pessoas desliguem os termostatos ou trabalhem de casa. Isso não pararia a economia.”

6. Fortaleza Rússia?

As sanções pela anexação da Crimeia, em 2014, colocaram a Rússia em recessão e seu sistema financeiro em crise. Desde então, o governo vem trabalhando duro para tornar a economia à prova de sanções. Ele encorajou a produção interna, reduziu a dívida externa e aumentou suas reservas em moeda estrangeira, que agora poderão ser ainda mais reforçadas graças ao aumento dos preços da energia.

A não ser que haja um grande conflito militar, a economia da Rússia deverá continuar crescendo, embora a Capital Economics preveja que o crescimento poderá cair para menos de 1%.

7. China como vencedora?

Mesmo sem uma escalada nos combates ou uma rodada mais dura de sanções, a Rússia poderia se voltar para o leste em busca de alívio econômico, na medida da deterioração de seus laços com o Ocidente. A China já é o maior parceiro comercial da Rússia e os dois países vêm discutindo a construção de novos gasodutos para o transporte de gás russo.

A Rússia também vem trabalhando com a China na construção de sistemas de pagamentos internacionais que possam contornar o dólar e assim reduzir a capacidade dos EUA de aplicar pressão por meio de sanções, além de reduzir suas próprias posições em dólar.

8. Guerras são imprevisíveis

Os impasses geopolíticos e os conflitos militares são inerentemente difíceis de prever. As tensões entre a Rússia e o Ocidente poderão evoluir de maneiras que não parecem prováveis agora, como um êxodo em grande escala de refugiados da Ucrânia para a Europa ocidental. “As guerras evoluem de maneiras imprevisíveis”, escreveu David Kelly, principal estrategista global da JP Morgan Asset Management, em uma nota recente a investidores. “Ninguém deve presumir que pode ver todos os impactos de uma guerra desde o início.”

Fonte: Valor
Seção: Indústria & Economia
Publicação: 24/02/2022