Mercosul e UE negociam em Brasília; agro europeu protesta
Mercosul e UE negociam em Brasília; agro europeu protesta
O Mercosul e a União Europeia (UE) fizeram nova rodada de negociação nesta semana em Brasília, na tentativa de fechar o acordo até dezembro. Isso foi suficiente para agitar imediatamente agricultores europeus que nesta sexta-feira ameaçam com novos protestos contra o entendimento com o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.
Negociadores dos dois blocos, reunidos de segunda a quarta-feira em Brasília, procuraram aproximar posições num ambiente considerado positivo. A avaliação é de que existem boas perspectivas de um anúncio, ‘enfim verdadeiro’, de conclusão das negociações até o fim do ano, depois quase 25 anos de discussões.
Do ponto de vista econômico e geopolítico, considera-se que o acordo com o Mercosul tornou-se hoje ainda mais importante para a Europa do que em qualquer outro momento. Um dos elementos novos do futuro acordo, se realmente fechado, incluirá por exemplo cooperação sobre minérios estratégicos, que são centrais para a transição energética e digital e para a segurança nacional.
O interesse europeu pode ser ilustrado com pelo menos seis idas ao Brasil de delegações europeias para a negociação, nos últimos tempos. Em todo o caso, vários temas vão acabar sendo negociados até à véspera de um eventual anúncio, como ocorre sempre nesse tipo de acordo.
Isso inclui qual tipo de compatibilidade das preferências fornecidas pela UE ao Mercosul com sua lei antidematamento que vai na outra ponta e ameaça justamente a entrada de commodities brasileiras como soja, café, madeiras.
O Mercosul desde o ano passado sinalizou que o acordo deveria ser equipado com um mecanismo para reequilibrar as concessões comerciais negociadas no âmbito do Acordo, caso essas concessões sejam suspensas ou anuladas como resultado da legislação interna da UE.
Além disso, o Mercosul no ano passado pediu à UE que forneça um total de 12,5 bilhões de euros (R$ 66,5 bilhões) em forma de empréstimos a fundo perdido e diferentes instrumentos europeus, para programas de cooperação. Nas recentes discussões, não se falou em cifras, e sim em pacote geral, mas o tema é inevitável.
A facilitação para integração de cadeias produtivas dos dois lados continua nas discussões, buscando dar impulso a produtos verdes, incluindo aço verde e outros.
Negociadores do Mercosul e da UE, já escaldados pelos repetitivos fiascos, mostram-se agora especialmente prudentes. Mas nem isso impediu nesta sexta-feira a reação do agronegócio europeu às negociações.
A Copa-Cogeca (voz dos agricultores e suas cooperativas na UE), a Associação de Processadores de Aves e Comércio de Aves nos países da UE, a Associação Europeia de Fabricantes de Açúcar, a Confederação Europeia de Produção de Milho, a Confederação Internacional dos Produtores de Beterraba da Europa, e a União Europeia de Atacado de Ovos, Produtos de Ovos, Aves e Caça manifestaram juntas ‘sérias preocupações com a 'retomada das negociações de 7 a 9 deste mês em Brasília’.
Essas associações, reunindo milhões de produtores, reagiram pedindo autoridades europeias ‘ação urgente para proteger o agronegócio europeu’.
Reclamam que, mesmo com um instrumento adicional de sustentabilidade no acordo, ‘cujos detalhes continuam vagos, é claro que os países do Mercosul não estão em posição de adotar padrões similares impostos aos agricultores europeus’.
Dizem que não podem aceitar um acordo ‘que penaliza os produtores europeus que respeitam esses padrões, enquanto importações são autorizadas de países que não enfrentam as mesmas exigências’.
Repetem a mesma ladainha de queixas de que o acordo UE-Mercosul ‘ameaça promover comércio em produtos associados com degradação ambiental e perda de biodiversidade no Mercosul, particularmente no Brasil’. E insistem que ‘devemos considerar as implicações para o bem-estar animal'.
Enquanto a questão geopolítica se impõe cada vez mais a favor do acordo, os agricultores europeus reclamam que já sofreram com a guerra na Ucrânia que provocou uma alta enorme de importação de produtos ucranianos e maior custo de energia e de fertilizantes. E que um acordo UE-Mercosul exacerbaria as desvantagens competitivas europeias.
As associações de produtores avisam que um acordo com o Mercosul poderá reativar ‘protestos de agricultores através da Europa’, especialmente envolvendo produtos sensíveis (açúcar, frango, carne bovina e outros) que consideram vitais para a agricultura local.
Para as associações, o acordo enviaria uma ‘mensagem terrível’ ao setor agrícola justamente no começo do segundo mandato de Úrsula von der Leyen na presidência da Comissão Europeia, o braço executivo da UE.
Uma das questões é justamente se von der Leyen usará seu capital político para levar o acordo à frente. É verdade que o peso do presidente francês Emmanuel Macron na Europa caiu consideravelmente, depois da fragorosa derrota em recente eleição no país.
No entanto, Macron continua seu trabalho de complicar a negociação. Na semana passada, em Berlim, ele disse ser ‘a favor de qualquer acordo que seja justo’. Indagado se o acordo com o Mercosul era justo, ele respondeu: ‘Não’.
O novo e já combalido primeiro-ministro francês, Michel Barnier, também já excluiu a possibilidade de anúncio de conclusão das negociações em novembro, à margem do G20 no Rio de Janeiro. Aparentemente, os franceses buscam uma ‘minoria de bloqueio’ ao acordo, se a Comissão Europeia tentar ir adiante no fechamento do pacote.
Já o chefe de governo alemão, Olaf Scholz, defende a conclusão rápida da negociação com o Mercosul. Ele reiterou apoio da Alemanha ao ‘splitting’ da negociação - a parte comercial do acordo entraria em vigor provisoriamente sem necessidade de ser ratificado pelos mais de 30 parlamentos nacionais e regionais dos Estados membros.
Como já escrevemos nesta coluna, o uso do ‘splitting’ na prática sinaliza que todos os acordos comerciais que a UE negociar vão ser divididos, sem exceção, para poder entrar em vigor. Esse mecanismo é fundamental para que a parte comercial do negociado não seja bloqueado por alguns dos parlamentos nacionais e regionais. Os movimentos anti liberalização são cada vez mais fortes na Europa.
De todo o modo, um acordo UE-Mercosul precisaria ser submetido ao Conselho Europeu, a instituição da que define as orientações e prioridades políticas do bloco formado por 27 países.
Enquanto isso, a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), da qual faz parte juntamente com a Noruega, Islândia e Liechtenstein, até tentou junto ao Mercosul concluir seu próprio acordo com o Mercosul rapidamente, sem esperar a conclusão do entendimento UE-Mercosul.
No entanto, a avaliação no Mercosul foi de que a negociação com a UE consome tanto tempo que não dá para fazer muito ao mesmo tempo com outras negociações – ainda mais que há muita negociação dentro do próprio Mercosul. Assim, a conclusão foi de que o mais razoável seria concluir primeiro a negociação mais complexa, com a UE, e também porque inclui idênticas questões ambientais, por exemplo.
De toda maneira, anunciar conclusão de negociação em dezembro é apenas um passo. Depois será preciso um bom tempo para revisão e tradução dos complexos textos jurídicos, além de passar pelo Conselho Europeu, de forma que entraria em vigor mesmo só dentro de alguns anos para reduzir ou eliminar tarifas e proporcionar maior aproximação entre os dois blocos.
Fonte: Valor
Seção: Indústria & Economia
Publicação: 14/10/2024