Mais severa, taxação ao aço pelos EUA pode incluir novos itens
Mais severa, taxação ao aço pelos EUA pode incluir novos itens
Mais agressiva do que a tarifa sobre aço e alumínio estabelecida em 2018, a nova medida de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, tem como alvo um número maior de países, atingindo até mesmo os países fronteiriços, pode incluir novos itens na lista de derivados de aço sujeitos à tarifa de 25% e promete ser mais severa na fiscalização das importações americanas, obrigando as empresas do setor a suportar maiores custos de conformidade.
Especialistas apontam que o melhor caminho para o Brasil é a negociação diplomática até 12 de março, quando as medidas entram em vigor. Na incerteza do que acontece até lá, escritórios de advocacia têm recomendado tentar antecipar exportações de modo que a mercadoria chegue à aduana americana antes da vigência da nova tarifa, além de uma revisão das estratégias de exportação e cadeias de suprimento para identificar riscos e evitar interrupções quando a medida entrar em vigor.
Embora não tenham sido uma surpresa, as tarifas de Trump sobre aço e alumínio são vistas por especialistas com preocupação, porque podem ser o início de medidas que irão se espalhar a outros produtos e setores, afetando preços e com risco de deflagrar uma onda de taxações.
Em março de 2018, Trump colocou tarifa de 25% para aço e de 10% no alumínio, mas a medida não atingiu o México nem o Canadá e foi dada alternativa de negociação a alguns países. O Brasil conseguiu entrar em uma lista de exceção e negociou cotas.
William Roberto Crestani, sócio da área de comércio internacional do Pinheiro Neto Advogados, lembra que houve várias negociações de lá para cá. A medida de 2018, diz, teve alterações. Houve uma tentativa de tirar as cotas de alguns países, inclusive do Brasil, já em 2019, mas houve nova negociação. Em 2020, reduziu-se a cota que tinha para certos países, o Brasil entre eles. Somente em 2022, na gestão de Joe Biden, alguns ajustes foram feitos, lembra.
"É uma medida horizontal e ainda está em aberto como será aplicada”
— Felipe Rainato
Para as novas medidas de Trump, o melhor caminho ainda é a via diplomática, diz Crestani. “Existem poucos mecanismos jurídicos do ponto de vista da Organização Mundial do Comércio [OMC]. As regras gerais permitem aumento de até 35% das tarifas de importações e o órgão de soluções de controvérsia da OMC não tem funcionando muito bem.”
Enquanto isso, diz, a recomendação para as empresas do setor é, se possível, adiantar embarques para fevereiro, para que o produto chegue na aduana americana antes de 12 de março. O escritório, observa, também tem recomendado que as empresas levem ao Itamaraty dados sobre o setor que possam auxiliar na negociação diplomática com o governo americano. Os efeitos, lembra Crestani, são muito heterogêneos sobre as indústrias do setor, porque nem todas são atuantes da mesma forma na exportação.
O transporte de aço do Brasil para os EUA leva de 10 a 12 dias, mas a estratégia de antecipar embarques deve levar em consideração as cotas que estão em vigor, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
A proclamação de Trump estabelece o fim do acordo de cotas com o Brasil a partir de 12 de março e encerra todos os acordos alternativos concedidos anteriormente a Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, União Europeia, Japão, México, Coreia do Sul e Reino Unido. Todas as importações de aço e de produtos derivados de aço provenientes desses países voltam a ficar sujeitas à tarifa adicional de 25%.
Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior e sócio do escritório Barral Parente Pinheiro, destaca que a nova ordem permite a expansão da lista de derivados de aço sujeitos à tarifa de 25%. Segundo a proclamação, além de incluir os artigos de aço que já estavam sobretaxados anteriormente por outras medidas, incluindo a de março de 2018, o novo processo deverá permitir a ampliação da lista a pedido de um produtor do setor ou uma associação industrial que indiquem que as importações de algum derivado de aço aumentaram de maneira que “ameaça prejudicar a segurança nacional”.
A proclamação, diz Barral, também revoga o processo que permitia isenção de tarifa caso não houvesse produção em quantidade ou qualidade suficientes nos EUA. Com isso, diz Barral, Trump “zera” todas as negociações feitas pelo Brasil em relação ao aço, tornando necessários novos acordos.
Os Estados Unidos também prometem intensificar a fiscalização. Segundo a proclamação, serão aplicadas penalidades máximas para importações que tentem contornar ou evadir as tarifas. Entre as medidas que prometem maior escrutínio nas importações americanas, Barral destaca o “Melt and Pour” [Derreter e Despejar], critério que já existe para determinar a origem do aço e que deve ser aplicado com maior rigor pelos Estados Unidos.
O termo “melt and pour” refere-se ao local em que o aço é efetivamente derretido a partir de matérias-primas ou sucata e em que se dá o vazamento em sua forma primária. Por exemplo, lingotes ou blocos. Esse processo inicial de produção é o que determina a origem efetiva do aço, independentemente de quaisquer estágios adicionais de processamento ou acabamento em outro país.
Para Barral, essa fiscalização que foca na origem da matéria-prima e no local de derretimento do aço não afeta diretamente o fornecimento de países como o Brasil, que detêm a cadeia toda do aço, desde o minério de ferro. A medida, porém, deve afetar o México, que desta vez não ficou isento da tarifa de 25%. “O Brasil, porém, deve ser afetado de forma indireta porque será preciso ter novas medidas de compliance para fazer frente ao reforço do controle aduaneiro, o que requer certificações e outros documentos que devem elevar o custo.”
Para Felipe Rainato, advogado e gerente da área de comércio internacional do escritório Hondatar, essa é uma medida que deve afetar o Brasil independentemente do que o Itamaraty conseguir na negociação com Trump para amenizar a tarifa de 25%. “É uma medida horizontal e ainda está em aberto como será aplicada. Eles podem exigir, por exemplo, que uma autoridade certificadora no Brasil siga critérios extremamente rígidos.”
Livio Ribeiro, sócio da BRCG e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre), diz que a medida de Trump não surpreende. Para ele, deve haver uma negociação do Brasil com os Estados Unidos porque a tarifa afeta muito a indústria americana que não é produtora de aço e que tem o aço e produtos derivados como insumos.
É difícil saber, diz, se a nova negociação trará situação mais desvantajosa ao Brasil no aço. “Trump deu um tiro geral para derrubar o sistema anterior. Isso deve levar a uma renegociação e não sabemos onde as coisas vão pousar. Mas a questão é que agora foram o aço e o alumínio. Qual será o próximo produto? No caso do aço, 15% do que entra nos Estados Unidos vem do Brasil. Não somos irrelevantes nesse setor. Mas pode haver outros segmentos onde tomamos um tiro do geral, uma bala perdida, e não temos tanta margem de negociação. Hoje não somente os setores que exportam de maneira significativa aos Estados Unidos devem ficar com pé atrás.”
Rainato, do Hondatar, diz que uma medida como a de Trump no caso do aço pode resultar em excedentes nas cadeias produtivas. “O Brasil pode ter excesso de produção e não pode ter muito como escoar essa produção. Esse é um mercado com margens na origem muito estreitas e num cenário de excesso de estoque ou com falta de escoamento de produção, as empresas privadas sofrem muito na formação do preço, porque não conseguem colocar uma margem minimamente adequada para sustentar a operação.” A produção chinesa de aço, porém, observa, pode ter condições de oferecer preços acessíveis. “Essa é uma das principais preocupações do Brasil.”
Para Ribeiro, a medida de Trump mostra que há risco de encadeamento de tarifas, num caso em que um país tenta se defender do deslocamento de exportações causado pela dificuldade de um segundo país de entrar em um determinado mercado que elevou suas tarifas. “Esse é um perigo e não acontece rapidamente. Podemos chegar num equilíbrio em que começam a sobrar produtos no mundo e aí as indústrias locais começam a querer se proteger.”
Fonte: Valor
Seção: Siderurgia & Mineração
Publicação: 13/02/2025