Guerra manterá commodities valorizadas

Guerra manterá commodities valorizadas

Os preços do petróleo, metais e minério de ferro iniciaram um movimento de forte alta desde quinta-feira passada, quando teve início a ofensiva da Rússia contra a Ucrânia, o que influenciou o fechamento do mês de fevereiro das commodities e se manteve no primeiro dia de março. O preço do barril de petróleo do tipo Brent, referência global, fechou o mês próximo aos US$ 100. A alta continuou ontem, com o barril fechando com crescimento de 7,14%, a US$ 104,97 - patamar que o mercado internacional não registrava desde 2014. Hoje, o preço da commodity chegou à marca de US$ 110.

O minério de ferro ficou negativo no mês passado, mas se recuperou nos últimos dias (ver reportagem China tenta segurar minério, mas conflito traz incertezas). Já os metais terminaram fevereiro apresentando cotações recordes. Todos mantiveram ritmo de alta ontem.

Segundo o Commerzbank, “a comunidade internacional está tentando impedir o aumento nos preços, analisando uma liberação de reserva estratégica”. Ontem, a Agência Internacional de Energia (AIE) confirmou que irá liberar 60 milhões de barris da reserva de seus países membros.

As atenções agora se voltam à reunião da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e seus aliados (Opep+) hoje. Se a entidade decidir liberar mais barris no mercado para compensar qualquer interrupção russa, é possível algum alívio ao rali dos preços.

Um corte completo dos embarques de petróleo russo seria dificilmente compensado pela oferta de outros produtores

A expectativa para os próximos meses, portanto, é de que o mercado se manterá apertado. Com a escalada do conflito na Ucrânia, o Goldman Sachs aumentou, de US$ 95 para US$ 115, a previsão de curto prazo do preço do Brent. A consultoria norueguesa Rystad Energy, por sua vez, estima que os preços do petróleo bruto podem atingir US$ 130 o barril, “espremendo” os consumidores.

“Salvo um avanço nas negociações de paz, acreditamos que os preços das commodities tendem a subir acentuadamente à medida que vemos a destruição da demanda, agora, como o único mecanismo de equilíbrio remanescente significativo [do mercado], sendo a Rússia um importante exportador da maioria das commodities que já enfrentavam níveis de estoque excepcionalmente apertados e baixas capacidade de produção sobressalente”, citou o Goldman.

A invasão da Ucrânia lança um peso a mais no balanço entre oferta e demanda do mercado de petróleo - que, antes da eclosão do conflito, já convivia com incertezas sobre a capacidade da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e aliados de acompanhar a alta da demanda global.

Em fevereiro, o Brent foi negociado, em média, a US$ 91,96 o barril. A valorização acumulada no mês foi de 9,7%. A escalada das tensões geopolíticas deu o tom no mercado e culminou, no fim do mês, na invasão de fato da Ucrânia pela Rússia. Após o início da investida militar russa, o Brent chegou a tocar a máxima de US$ 105 durante o pregão do dia 24, antes de os preços cederem, no mesmo dia, à sinalização dos EUA de que podem liberar reservas de óleo para conter o avanço da commodity. O mês de fevereiro encerrou no dia 28, com o barril cotado a US$ 97,97.

Compradores já enfrentam dificuldades para encontrar navios para transportar o petróleo da Rússia

O receio no mercado é que as sanções do Ocidente à Rússia se acentuem e haja cortes na compra de petróleo daquele país. O vice-presidente da IHS Markit e ex-embaixador dos Estados Unidos na Ucrânia, Carlos Pascual, afirma que a redução das exportações russas seria um problema para o equilíbrio do mercado. Ao todo, a Rússia exportou, em média, 7,5 milhões de barris por dia de óleo e derivados em 2021. “Se tirarmos isso do mercado, estaremos entrando em um território desconhecido a respeito dos impactos”, disse.

Um corte completo dos embarques de petróleo russo, segundo a IHS, seria dificilmente compensado pelo aumento da oferta de outros produtores. Atualmente, a consultoria estima um potencial para um aumento de produção é de 3,5 milhões de barris/dia por outros países, principalmente Arábia Saudita e Emirados Árabes.

O chefe de pesquisa de exploração e produção de petróleo da Wood Mackenzie na América Latina, Marcelo de Assis, diz que, por mais duras que possam ser, as sanções não devem tirar o petróleo russo do mercado de forma significativa, como foi feito em bloqueios ao Irã e Venezuela. Ele prevê, no entanto, que, dada as incertezas, o barril deve se estabilizar em US$ 100.

O mercado acompanha com atenção os desdobramentos das punições econômicas contra a Rússia. Num primeiro momento, as potências ocidentais evitam sanções às exportações russas no setor de óleo e gás. Indiretamente, contudo, a decisão dos EUA e da União Europeia de retirarem bancos russos do sistema internacional de pagamentos Swift pode impactar nos fluxos de petróleo.

Compradores do petróleo russo, por exemplo, já enfrentam dificuldades para obter garantias nos bancos ocidentais ou para encontrar navios para transportar o petróleo da Rússia. Segundo a Rystad, o conflito no Leste Europeu põe em risco, imediatamente, até 1 milhão de barris/dia que transitam pela Ucrânia e pelo Mar Negro.

O analista sênior de óleo e gás da Bloomberg Intelligence, Fernando Valle, conta que muitas tradings já se anteciparam e cortaram compras da Rússia, temendo as sanções. Como as compras muitas vezes são feitas com meses de antecedência, é possível que a atual desaceleração das exportações russas deixe o mercado ainda mais apertado a partir de maio - às vésperas do verão no Hemisfério Norte, quando o consumo tende a subir. Segundo ele, se não houver outro grande pico de covid-19, de forma a limitar a recuperação da demanda, os próximos meses tendem a ser estressantes no mercado.

“A única coisa dada com uma guerra dessa é que ela pode impactar o transporte de bens e energias entre fronteiras”, disse.

Embora os países poupem o petróleo das sanções diretas à Rússia, gigantes do setor acenam para saída do mercado russo. A BP anunciou que deixará de ser acionista da russa Rosneft - ainda que a britânica não tenha deixado claro se buscará vender sua participação. A Shell, por sua vez, revelou a intenção de sair de joint ventures com a Gazprom, enquanto a norueguesa Equinor anunciou que está abandonando suas joint ventures na Rússia e que deixará de realizar novos investimentos no país.

Os metais também subiram com as preocupações com o fornecimento, principalmente paládio, alumínio e níquel, uma vez que a produção russa responde por quotas de mercado global de 40%, 6% e 7%, respectivamente. A produtora de alumínio Rusal interrompeu a produção em sua refinaria de alumina Nikolaev na Ucrânia, citando desafios logísticos. O fornecimento de alumínio e zinco, que consomem muita energia, pode ser reduzido ainda mais, se as fundições europeias decidirem que os custos para manter as fundições funcionando estão muito altos.

Fonte: Valor
Seção: Indústria & Economia
Publicação: 02/03/2022