Descarbonização da indústria vai demandar R$ 40 bilhões até 2050
Descarbonização da indústria vai demandar R$ 40 bilhões até 2050
A transição para o uso de fontes de energia renováveis, a aplicação de tecnologia para tornar os processos produtivos mais eficientes e a pesquisa e o desenvolvimento (P&D) com foco em produtos de menor impacto estão entre as soluções que vêm sendo aplicadas na indústria brasileira numa jornada rumo à economia de baixo carbono. O processo de descarbonização do setor demandará cerca de R$ 40 bilhões até 2050, ano em que o país deverá cumprir a meta assumida no Acordo de Paris de zerar emissões líquidas de gases de efeito estufa, segundo projeção da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Considerando a produção e o consumo de energia, o setor contribui com mais de 30% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE). A McKinsey estima que a transição para uma economia de baixo carbono exigirá um investimento de US$ 275 trilhões nos próximos 30 anos, o que equivale a cerca de 7,5% do PIB global anual. É um cálculo similar ao da Climate Policy Initiative (CPI), de US$ 266 trilhões.
Alcançar a meta de emissões líquidas zero depende de um conjunto de avanços. Em relatório sobre o percurso até o carbono zero para a indústria, o Fórum Econômico Mundial elenca as cinco áreas-chave que vão determinar a rota de descarbonização: tecnologia, infraestrutura, demanda por energia sustentável, políticas públicas e acesso a capital.
"Neoindustrialização descarbonizada pode aumentar participação da indústria no PIB”
— Rosana Santos
Uma das empresas da Solvay, multinacional belga de químicos, a Rhodia no Brasil tem liderado os avanços do grupo para descarbonização. A meta é que toda a produção brasileira seja neutra em carbono até 2030. A fábrica da empresa em Paulínia (SP) atingiu 95% da meta. O desafio está em reduzir os 5% restantes e fazer o mesmo com outras unidades sediadas no Brasil. A empresa adotou medidas como compra de energia sustentável, uso de biomassa, redução da demanda por gás natural, aplicação de processos para melhoria da eficiência e uso de uma tecnologia de purificação dos gases, além da compra de créditos de carbono. Em outra frente, investe em média de 2% a 3% do faturamento em pesquisa, desenvolvimento e inovação.
“Temos um custo com esses projetos. Mas não vai existir química do futuro sem química verde. Então, é um investimento para se antecipar ao momento em que o mercado [de baixo carbono] estará precificado. Será um diferencial competitivo”, avalia a presidente do Grupo Solvay-Rhodia para a América Latina, Daniela Manique. Segundo ela, a linha de químicos sustentáveis da Rhodia tem no mercado internacional a principal via de faturamento. Um dos entraves para aumentar a penetração destas alternativas no setor no Brasil, como a de um fenol verde, que já foi criado, é o alto valor agregado.
Na descarbonização, uma das principais vantagens competitivas do Brasil é ter uma matriz energética mais limpa que as de outras economias, enquanto alguns dos grandes gargalos são o espaço fiscal e o capital disponível no país para financiar a transição verde, diz Rosana Santos, diretora-executiva do Instituto E+ Transição Energética. “É preciso tomar a decisão de que essa será nossa diretriz de crescimento. Uma neoindustrialização descarbonizada, que possa abocanhar uma parte do mercado recém-nascido de produtos verdes, pode implicar em aumento da participação da indústria no PIB brasileiro e na criação de empregos de maior qualidade, o que vai puxar a economia.”
Para ela, o Brasil tem uma oportunidade de “passar a ser enxergado como um provedor de produtos industrializados de menores emissões”, o que “agrega valor à nossa produção”. Os riscos do país não adaptar sua produção para o baixo carbono incluem a perda de acesso a mercados internacionais e o aumento da desindustrialização. Em determinados segmentos industriais, o país já é visto como referência em produtos com pegada de carbono menor que a de concorrentes. É o caso de parte da cadeia de aço. No país, essa indústria responde por 4% das emissões de gases, valor inferior à média de 7% nas emissões da produção mundial de aço.
Maior empresa brasileira produtora de aço, a Gerdau tem hoje 70% de sua produção de aço com origem na reciclagem de sucata, enquanto correntes de outros países em geral usam 30%, segundo Cenira Nunes, gerente geral de meio ambiente da Gerdau. Cada tonelada de sucata reciclada evita a emissão de 1,5 tonelada de CO2, calcula ela.
Para reduzir o nível de emissões na produção, a Gerdau também trabalha com alternativas para substituição de carvão mineral nos altos-fornos. Uma delas é o uso de biomassa de eucalipto e casca de serragem como combustível. Um passo, no futuro, será o de transformar os altos-fornos em reatores de redução direta, que poderiam ser alimentados por hidrogênio. “A gente estuda como fazer a troca dos equipamentos para então chegar ao uso de hidrogênio. Tudo isso envolve pesquisa e desenvolvimento. Usar o hidrogênio não é algo trivial. Tem uma série de questões de segurança que precisam ser medidas”, diz.
O primeiro passo para descarbonizar passa pelo mapeamento das emissões em cada indústria, o que exige identificar, quantificar e classificar as fontes de GEE no escopo 1 (emissões diretas da empresa), no escopo 2 (emissões indiretas associadas à energia comprada), e no escopo 3 (outras emissões indiretas, como as da cadeia de suprimentos).
A Randoncorp, multinacional brasileira que trabalha com a manufatura de implementos rodoviários, autopeças, e veículos comerciais, começou em 2020 a fazer o inventário das emissões da companhia nos escopos 1 e 2, com a meta definida de reduzir em 40% as emissões nessas fases. Para isso, o grupo tem investido em plantas de energia solar, na substituição de equipamentos movidos a combustíveis fósseis por eletrificados e na substituição de gás natural por biomassa.
A empresa também começou, há dois anos, a fazer a medição da pegada de carbono de produtos para desenvolver alternativas, com a troca de matérias-primas que tivessem impacto menor. “Temos uma estratégia muito clara de substituir materiais metálicos pesados para materiais mais leves”, conta Anderson Pontalti, coordenador do comitê ESG da Randoncorp.
A descarbonização é um desafio maior para companhias do setor que são de menor porte. “As grandes empresas já entenderam que sustentabilidade é fator de competitividade. Para as micro e pequenas, a gente precisa pensar em uma forma de induzir a transição, até porque elas estão preocupadas com fluxo de caixa, com manter o negócio no mês seguinte. É um trabalho que precisa ser estimulado”, afirma o superintendente de meio ambiente e Sustentabilidade da CNI, Davi Bomtempo.
Fonte: Valor
Seção: Indústria & Economia
Publicação: 29/08/2024