Deflação na China impacta vendas externas

Deflação na China impacta vendas externas

A deflação de 0,3% na China em julho afetou as perspectivas globais no setor de mineração. O país é o maior consumidor de produtos como minério de ferro, cobre, alumínio e terras raras no mundo. Não foi o único dado ruim: as importações caíram 12,4% na comparação com julho de 2022. E, no segundo trimestre, a economia cresceu só 0,8%, após alta de 2,2% no primeiro. Os dados preocupam o Brasil, que tem na China o principal comprador de suas exportações - pouco mais de um quarto dos US$ 334,1 bilhões vendidos pelo país em 2022 foram para lá. O minério de ferro foi o segundo produto mais vendido, com 18%. E um estudo do Conselho Empresarial Brasil-China projeta que, até 2030, o minério pode passar a soja e se tornar a principal commodity exportada à China.

Para especialistas, as exportações brasileiras podem seguir estáveis, mas há sinais de alerta no longo prazo. Em especial, um acúmulo de desgastes na construção, que responde por mais de um quarto da economia chinesa e foi um dos propulsores do crescimento na última década. Livio Ribeiro, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) e sócio da BRCG Consultoria, divide o cenário em dois fatores. De um lado, estrutural. “A economia chinesa vem em uma tendência pronunciada de baixa ao menos desde 2018”, diz. De outro, uma conjuntura com três ingredientes: a decisão do governo chinês de desalavancar as incorporadoras, há dois anos; o consumo global em baixa após a pandemia; e os sinais de que a reabertura sanitária iniciada no fim de 2022 não reverteu a queda no consumo interno no país.

Ribeiro explica que a demanda por minério também sofre na esfera pública, já que parte do investimento estatal em infraestrutura da China é feito pelos entes subnacionais, como províncias, em grande medida com verbas de leilões de direitos de uso de terras. Com a queda na demanda por construções, os recursos estão escassos.

Yasmin Riveli, analista da Tendências Consultoria, destaca que o investimento no setor imobiliário local cai 11,3%. “Começamos o ano com expectativas favoráveis, mas agora fazemos uma leitura mais negativa”, diz. Lucas Laghi, head de mineração e siderurgia, papel e celulose e bens de capital da XP, acrescenta que o índice de novas construções está em queda de 60% frente ao pré-pandemia. “É justamente a fase que mais impulsiona o consumo de aço e minério de ferro”, afirma. A BRCG reduziu, em agosto, a previsão para a alta do Produto Interno Bruto (PIB) chinês neste ano, de 5,2% para 5%. A XP prevê alta entre 5% e 5,5% em 2023, e a Tendências ajustou para 5,1% neste ano e 4,6% em 2024.

Apesar dos sinais negativos, a Vale diz que a demanda por aço “é resiliente e se mantém em níveis elevados, apoiada por fundamentos sólidos no longo prazo”. A Vale destacou ainda que a produção de aço bruto na China subiu 2,5% nos primeiros sete meses do ano.

Ribeiro, do Ibre/FGV, avalia que as maiores mineradoras têm espaço para manobrar. “O setor é muito concentrado. De um lado, um grande comprador, a China, e, de outro, a Vale e as australianas BHP e Rio Tinto; é difícil um mercado assim implodir, existe uma coordenação”, aponta.

Mesmo assim, Laghi, da XP, vê com preocupação os efeitos sobre os preços. A XP estima tonelada do minério de ferro em US$ 75 ao fim de 2025, contra os US$ 110 atuais. “Mas tudo muda se o governo retomar os estímulos”, salienta. Havia expectativa de que isso começasse na semana passada, quando o Banco Popular da China anunciou novas taxas de juros, mas não foi desta vez: a curva de cinco anos, que serve de referência para o mercado imobiliário, não teve cortes.

Segundo Riveli, a China já não tem o mesmo ímpeto para incentivos. “O país tem limitações que não tinha, como mudança demográfica, endividamento e economia cada vez mais dependente do consumo”. Ainda assim, ela projeta impacto menor para o Brasil. “O país tem posição privilegiada por conta do elevado teor de ferro no minério, que chega a 67% em minas como a de Carajá, segundo relatórios da Vale”. A qualidade pesa, afirma, em um contexto de esforços da China para tornar sua indústria mais limpa, já que a matéria-prima demanda processos produtivos menos poluentes.

Fonte: Valor
Seção: Siderurgia & Mineração
Publicação: 30/08/2023