Custo industrial desacelera devagar e segura inflação

Custo industrial desacelera devagar e segura inflação

A inflação de bens industriais, principalmente aqueles mais ligados ao ciclo econômico, voltou a acelerar na margem nas últimas coletas. O mais recente repique reforça a percepção de que o arrefecimento dos custos da indústria vai ajudar a trazer o IPCA para baixo neste ano, mas que este é um processo gradual e os preços industriais ainda devem permanecer historicamente elevados em 2022.

Com a desorganização das cadeias globais de produção após o choque da pandemia, o custo da indústria doméstica saiu de 1,46% em maio de 2020, na variação acumulada em 12 meses, para 36,37% em maio de 2021, uma aceleração recorde para a série iniciada em 2006, aponta estudo do Bradesco. A partir de metodologia sugerida pelo Banco Central, economistas do banco construíram um índice de custo com insumos da indústria de transformação brasileira.

De acordo com o IBGE, pouco mais de 80% dos custos com insumos são de bens nacionais, mas, mesmo nesses casos, vários deles têm cotação definida no mercado global, observa o Bradesco. É o caso do petróleo e seus derivados, cujo peso é de quase 15% no total de custo com insumos da indústria, nota o banco. “Nesse período, de maio de 2020 a maio do ano passado, o preço do petróleo, seus derivados, combustíveis em geral e produtos semiacabados, laminados e tubos de aço foram os principais responsáveis pela elevação dos custos”, escrevem os economistas Marcelo Gazzano e Myriã Bast no estudo.

Em agosto de 2022, o custo da indústria variava quase 21%, calculam eles. “Estamos vendo uma normalização, mas vindo de uma base muito alta”, afirma Gazzano. “Parado onde está não é suficiente, precisa continuar melhorando, não pode estagnar agora”, diz Bast.

Segundo ela, informações de setembro da pesquisa proprietária do Bradesco com cerca de 3 mil empresas indicam que essa melhora continuou no mês passado. Em outra métrica para o índice de custo da indústria, acumulada em seis meses e anualizada, a variação já está mais baixa, em 15%, aponta Gazzano.

Na prévia de setembro, a inflação dos produtos industriais voltou a acelerar para 0,32%, ante 0,28% no IPCA-15 de agosto, de acordo com a MCM Consultores. Já os bens industriais subjacentes - que não incluem itens com preços mais voláteis, como etanol - passaram de 0,91% para 1,02%. Em 12 meses, a inflação geral dos industriais até cedeu de 12,77% na prévia de agosto para 11,88% em setembro, mas a inflação dos bens subjacentes foi de 13,48% para 13,83%.

No boletim Focus, pesquisa do Banco Central com analistas do mercado, a mediana das projeções para a inflação de industriais está em 9,2% no fim deste ano, vindo de quase 12% em 2021, e 3,8% no próximo. O Bradesco projeta 9,2% para 2022, mas entende que ela pode ficar pouco abaixo de 3% em 2023. “Se nada mudasse e seguisse uma trajetória como estamos vendo [no exercício], poderíamos ter o IPCA industrial se acomodando em torno de 5% no ano que vem. Mas, no nosso cenário, isso vai continuar se ajustando, por isso não é essa nossa projeção oficial”, explica Gazzano.

Um “indicador de estresse” das cadeias mundiais elaborado pelo time de pesquisa global e pelo Evidence Lab do UBS registrava 1,2 desvio-padrão do seu normal em agosto deste ano, segundo relatório do banco suíço. Em outubro de 2021, esse indicador chegou a 5 desvios-padrão. A equipe do UBS BB que acompanha o Brasil destaca que agosto foi o quinto mês consecutivo de melhora do indicador global, sinalizando normalização futura da inflação de bens também no país.

Nos cálculos do UBS BB, a desaceleração dos preços de bens responde por mais de um ponto percentual da desaceleração esperada para o IPCA até o fim do ano. O UBS BB projeta IPCA de 5,7% em 2022 e de 4% em 2023, com os industriais registrando 8,4% e 0,7%, respectivamente.

“Tudo o que aconteceu por causa da pandemia e também da guerra Rússia-Ucrânia acaba atrapalhando uma desaceleração mais clara dos industriais. Mais recentemente, neste segundo semestre, estamos assistindo a algum rearranjo parcial das cadeias produtivas e a preços de commodities perdendo força. Isso contribui para a formação dos preços industriais ser menos árida”, diz Fábio Romão, economista da LCA Consultores.

Ele projeta 9,8% para a inflação de industriais em 2022 e 5,4% em 2023. “Existe a perspectiva de que a atividade econômica global vai perder força no ano que vem, o que sinaliza que os industriais vão desacelerar. Podemos ter, a partir de 2023, uma taxa de evolução dos preços industriais que não fique tão diferente do índice de inflação”, afirma.

No Relatório de Inflação (RI) de setembro, divulgado na semana passada, o Banco Central estimou que a normalização das cadeias produtivas no Brasil ficou mais lenta do que a média global a partir de maio deste ano, ainda que se mantenha a tendência de reequilíbrio. Além disso, a autoridade monetária alerta que novos choques - especialmente lockdowns para combate à transmissão da covid-19 na China ou problemas derivados da guerra no Leste Europeu - podem interromper a trajetória de normalização no mundo e no Brasil.

Fonte: Valor
Seção: Indústria & Economia
Publicação: 04/10/2022