Construção civil sustenta demanda por aço nacional, enquanto indústria recua
Construção civil sustenta demanda por aço nacional, enquanto indústria recua
Com a demanda enfraquecida em diversos setores industriais, é a construção civil que tem sustentado o consumo de aço no Brasil. Impulsionadas por obras de habitação e infraestrutura, construtoras seguem comprando, enquanto outros segmentos recuam ou aumentam as importações para reduzir custos.
O mercado brasileiro enfrenta uma inundação de aço chinês, o que pressiona os resultados das siderúrgicas nacionais. Em momentos de 2024, as importações chegaram a quase 25% do total consumido. Contudo, a penetração das importações na construção civil é menor, já que os chamados aços longos - como vergalhões, barras e perfis usados em estruturas metálicas - são menos suscetíveis à concorrência asiática.
“Se não fosse a demanda interna da construção civil, teríamos um ano de 2024 muito difícil, talvez até com prejuízo”, diz a presidente da Aço Verde Brasil, Silvia Nascimento, que destaca que 2025 será parecido com o ano passado, e a construção civil continuará segurando a demanda.
O setor da construção tem ampliado a compra de aço porque a produção imobiliária cresceu desde a pandemia e segue elevada, mesmo diante do aumento dos juros, puxada pelo programa habitacional Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Segundo a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), 60% do consumo atual de aço vem do setor imobiliário e 40% da infraestrutura, embora as obras de infraestrutura utilizem, proporcionalmente, mais aço.
Em 2024, o número de residências lançadas no país subiu 18,6%, de acordo com a entidade. Foram 383,5 mil novas unidades colocadas à venda, metade das quais pertencem ao MCMV - o número de unidades lançadas no programa subiu 44% em um ano.
Empresas como a Gerdau se beneficiam desse cenário, porque concentram sua produção em aços longos. Em entrevista ao Valor em fevereiro, o diretor financeiro e de relações com investidores, Rafael Japur, disse que as perspectivas são positivas para o primeiro semestre de 2025, mas ainda incertas para o segundo.
“Há uma incerteza em alguns setores importantes, como o de construção civil, a respeito dos efeitos de uma escalada mais forte da taxa de juros e de financiamentos imobiliários”, explicou.
As importações de vergalhões somaram 156 mil toneladas no acumulado dos nove meses até setembro, ante uma venda interna de 2,75 milhões de toneladas. A participação ainda é baixa, mas cresceu desde a pandemia, lembra Dionyzio Klavdianos, presidente da comissão de materiais, tecnologia, qualidade e produtividade da Cbic. Em 2020, por exemplo, a proporção era de 15,2 mil toneladas importadas para 3,28 milhões de toneladas vendidas internamente.
"Pode ser que, com a questão nos EUA, comece a ter vergalhão chinês na construção civil”
— Dionyzio Klavdianos
Como faltou aço naquele período, a importação foi incentivada, o que fez o setor da construção “conhecer mais” os produtores estrangeiros, afirma Klavdianos. O maior país exportador de vergalhão para o Brasil é a Turquia, mas ele também pode vir do Egito e de nações da América Latina. Produtores chineses não possuem a certificação necessária para atender o mercado brasileiro, mas o diretor ressalta que essa não é uma barreira incontornável - é possível consegui-la, se houver interesse.
“Pode ser que, com essa questão de ter ficado mais caro [vender para] os EUA, a indústria chinesa passe a se interessar pelo mercado nacional, resolva essa questão da barreira técnica e comece a ter vergalhão chinês na construção civil”, diz.
Os produtores nacionais ainda são os preferidos dos construtores porque oferecem material de boa qualidade e até serviços extras, como suporte na obra, afirma Klavdianos. Há também uma dificuldade para pequenas construtoras arcarem com o custo do aço importado, pago à vista, e um receio de confrontar a indústria siderúrgica, que poderia impor um preço maior aos construtores brasileiros caso o volume importado subisse demais. “E você vai precisar comprar deles”, afirma o diretor da Cbic.
Por enquanto, o aço não é o material que mais tem pesado nas obras. Segundo o indicador setorial de inflação, o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), o vergalhão apresentou alta de 5,84% nos últimos 12 meses, ante 7,32% do indicador geral, até março. Ana Maria Castelo, coordenadora de projetos de construção civil do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV) faz a ressalva de que, apesar de outros materiais terem altas maiores, como tubos de PVC (17,6%) e blocos de concreto (8,12%), o aço é muito usado na construção, então qualquer aumento é sentido pelo setor.
Além dos vergalhões, usados na fundação e na estrutura de prédios e obras de infraestrutura, outro item que tem ganhado espaço são as telas de aço, que vão dentro das paredes de moradia popular, justamente o setor que mais tem crescido no país. Como explica Klavdianos, ela é essencial para o sistema construtivo de parede de concreto armado, que é o mais usado no MCMV, porque reduz o tempo de obra - quanto mais rápido entregam o projeto, mais rápido as construtoras recebem o repasse da Caixa Econômica Federal.
O setor de siderurgia já se movimentou para pedir ao governo um aumento do imposto de importação para o fio máquina, tipo de aço que dá origem às telas - em outras especificações, ele também é usado para fazer pregos e arames. O tema está em estudo. Segundo a Cbic, foram importadas, até setembro, 172 mil toneladas de fio máquina, dos mesmos países que produzem vergalhão, enquanto a indústria nacional vendeu 1,2 milhão de toneladas do fio no período.
Para o diretor da entidade, apesar de o governo defender a siderurgia nacional, ele está ciente de que onerar a importação levaria a um aumento geral dos preços do material, o que bateria diretamente no custo da obra e na atratividade do MCMV, um dos seus principais programas.
Enquanto isso, outros setores importantes para o consumo de aço, como máquinas e equipamentos, apontam redução no crescimento. O segmento alega que a alta nos custos de insumos, especialmente o aço nacional, é um dos fatores que comprometem sua competitividade.
"Tivemos cotas de importação em 2024 que não frearam a entrada”
— Rodrigo Scolaro
Ao Valor, o presidente-executivo da Abimaq, José Velloso, afirma que o setor de máquinas e equipamentos vem reduzindo seu faturamento e, portanto, a demanda por aço ao longo da última década, reflexo do encolhimento do segmento no país. Segundo ele, a maioria das empresas não tem porte para comprar diretamente das usinas por conta de volume nas aquisições. Mais de 90% dos fabricantes se abastecem nos distribuidores - onde os preços são mais elevados.
“A maioria das companhias do setor não importa aço, é de porte médio, com ticket em torno de R$ 100 milhões. Não tem volume mínimo”, explica. Segundo o dirigente, o fator que mais tira competitividade é o preço do insumo no Brasil em relação ao internacional. “O preço do aço laminado subiu de 12% a 17% de maio de 2024 até janeiro de 2025”, acrescenta.
Outras entidades representativas, como a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), também defendem que os produtores locais reduzam seus preços, argumentando que o custo do aço nacional encarece os produtos finais e compromete a competitividade frente aos concorrentes internacionais. Procurada, a Anfavea não quis se manifestar. Nesse cenário, a diferença de preço entre o aço brasileiro e o internacional tem ganhado destaque.
Do outro lado, o Instituto Aço Brasil - que representa as principais siderúrgicas do país - tem dito que os custos de produção são mais altos devido a fatores como carga tributária, energia elétrica e logística. Além disso, o aço chinês é subsidiado pelo governo de Pequim. A entidade não quis comentar o assunto.
Ao analisar os dados de comércio exterior sobre a importação de aço, Rodrigo Scolaro, economista da GEP Costdrivers, destaca o aumento da entrada de aço chinês, especialmente em aços planos voltados a processos industriais, como a fabricação de máquinas e automóveis.
“Quando falamos de outras indústrias que estão importando [aço], estamos falando também da indústria de peças. Tivemos no ano passado cotas de importação no Brasil que não tiveram o resultado esperado para frear a importação”, diz.
Segundo Scolaro, enquanto as siderúrgicas pressionam o governo por medidas de defesa comercial, indústrias de autopeças e montadoras atuam na direção oposta, pedindo que o aço importado não seja sobretaxado.
Procurado, o Sindipeças, que representa a indústria de autopeças, não quis se manifestar.
O governo acompanha o movimento com atenção. Há discussões no Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) sobre eventuais salvaguardas ou tarifas antidumping para conter o avanço do aço importado, mas nenhuma decisão foi tomada até agora.
Fonte: Valor
Seção: Siderurgia & Mineração
Publicação: 01/04/2025