Conheça as três frentes de negócios que podem movimentar US$ 125 bilhões no Brasil nos próximos anos

Conheça as três frentes de negócios que podem movimentar US$ 125 bilhões no Brasil nos próximos anos

Que o mundo precisa desacelerar as emissões de gases de efeito estufa (GEE) não é novidade para quem minimamente acompanha a pauta de sustentabilidade. Mas como fazer isso e quais as oportunidades que podem surgir a partir dessas novas demandas, ainda não está bem claro. Para colocar todos na mesma página, especialistas da consultoria McKinsey no Brasil reuniram em um relatório as três principais avenidas de atuação nas quais o país pode se destacar em uma economia mais verde: energia limpa e renovável; energia e materiais de base biológica; e mercado de carbono.

“Juntas, essas avenidas representam um mercado de mais de US$ 125 bilhões. Elas também podem gerar diversos outros benefícios diretos e indiretos, como desenvolvimento socioeconômico, melhor segurança hídrica e proteção da biodiversidade”, escrevem os 14 autores no documento. Esse valor é apenas uma parte do investimento necessário para os países e empresas chegarem às metas climáticas, estimado entre US$ 3 a 5 trilhões por ano até 2030.

Por que o Brasil? No relatório, a consultoria destaca que o fato de o Brasil ser hoje o sétimo maior emissor de gases do efeito estufa (GEE) certamente é um motivo para ele investir na descarbonização da economia. Mas não é só por isso. “Também porque detém uma posição inigualável para se tornar uma das potências que viabilizará essa transição”, aponta.

Energia limpa

O Brasil é privilegiado por já ter fontes de energia renovável em abundância, incluindo hidrelétrica, biomassa, eólica e solar. No caso dessas últimas, o relatório traz que elas devem se tornar as principais fontes de geração de energia elétrica do país, podendo atingir 47% do total da capacidade instalada até 2040, com um mercado adicional potencial de US$ 5 bilhões e US$ 11 bilhões em 2030 e 2040, respectivamente.

"Nossas projeções mostram que, até 2040, haverá uma redução de até 46% no custo nivelado de energia (LCOE) para geração de energia solar e 27% de redução para geração de energia eólica", cita o relatório como um dos argumentos para o potencial do setor. O fato de o país ter potencial de energia solar próximo ao de regiões desérticas e é também um dos melhores lugares do mundo para produzir energia eólica, é outra vantagem destacada.

A expectativa é que a capacidade solar instalada, atualmente de 13 gigawatts (GW), pode quadriplicar nos próximos anos, crescendo 15% ao ano até chegar a 37 GW de geração distribuída.

Hidrogênio verde - Mas boa parte do relatório se concentra em outra fonte energética: o hidrogênio verde (H2V). Com um pé no item energia limpa e outro no de soluções de base biológica, o hidrogênio verde tem uma oportunidade de movimentar no Brasil US$ 15 bilhões a 20 bilhões, sendo o mercado doméstico a ser responsável pela maior parte dessa receita (US$ 10-12 bilhões) até 2040. A expectativa é que a demanda doméstica pelo hidrogênio verde pode representar cerca de 70% da oferta total, substituindo parte significativa das importações de carvão e amônia hoje.

“Como combustível e matéria-prima industrial, o hidrogênio verde contribuirá para descarbonizar a matriz energética mundial, criando uma oportunidade de investimento de US$ 200 bilhões no Brasil ao longo dos próximos 20 anos”, aponta o estudo.

A consultoria vê potencial do Brasil se tornar um dos maiores produtores mundiais de H2V porque 70% do custo de produção é de energia renovável e o país tem potencial de expandir suas fontes eólicas e solares, baixando esse custo. Além disso, a evolução tecnológica e industrial dos eletrolisadores também contribui para diminuir o preço. O fato de já ter uma rede de energia integrada e acessível às empresas, sem demandar tanto investimento em bens de capital e ainda permitir até vender excedente à rede é outro ponto a favor.

Segundo João Guillaumon, sócio da McKinsey e um dos autores do relatório, o hidrogênio verde tem dois papéis: é usado para armazenar e transportar de maneira mais eficiente energia renovável (sob a forma de amônia) e permite descarbonizar indústrias que são difíceis de descarbonizar com só a eletricidade, como a do aço e fertilizantes. “Para indústrias que precisam de muita energia para reduzir materiais, o hidrogênio vai ser um redutor 100% renovável”, comenta. Até o momento, o uso do hidrogênio esteve limitado a aplicações específicas, como refino de petróleo ou produção de amônia.

Um exemplo é oportunidade citado no estudo é a exportação de metálicos verdes na forma de ferro briquetado a quente (HBI), que é possível de ser feita no Brasil a um custo US$ 100 por tonelada menor. O H2V é usado como energia para o processo de redução das pelotas de minérios de ferro para criar ferro esponja. A vantagem é que os custos brasileiros de produção de hidrogênio verde são mais baixos que outros países.

Dessa forma, diz Guillaumon, seria uma oportunidade para a indústria local, ao invés de fazer a amonificação, transporte e fracionamento do H2 para exportar (dobrando seu custo), investir na redução local e já vender o produto pronto para outros países. Só a indústria do aço europeu, segundo a McKinsey, sozinha, demandará pelo menos 11 milhões de toneladas de metálicos verdes todos os anos até 2030 para cumprir seus próprios compromissos de descarbonização e os de seus principais clientes (por exemplo, montadoras e fabricantes de linha branca).

Energia e materiais de base biológica

Dentro do tema de ativos biológicos, a biomassa é, certamente, uma nova fronteira. As três principais aplicações são, de acordo com a consultoria, o uso de biocombustíveis para aviação ou em substituição ao diesel; desenvolvimento da indústria de biogás e biometano; e uso para produção de aço e outros processos de alta temperatura.

O uso de biomassa para combustível, inclusive de aviação, nas indústrias química e do plástico, entre outras, leva a um potencial de mais de US$ 40 bilhões em oportunidades para a biomassa florestal na próxima década, com potencial especial na exportação.

“O Brasil está bem posicionado para se tornar o maior produtor de combustível sustentável do mundo”, aponta. Os principais resíduos são óleo de cozinha usado, óleo de soja e cultivos especiais, como a macaúba. “Até 2035, o Brasil pode capturar um mercado de até USD 35 bilhões, sem colocar sua produção agrícola em risco. Uma boa parte desse mercado estaria associada à produção de macaúba substituindo pastagens degradadas”, complementa.

Para o biogás, o potencial é de atingir US$ 15 bilhões até 2030, aproveitando resíduos e subprodutos as indústrias da cana-de-açúcar, pecuária, gado leiteiro, suinocultura, além de lixo e esgoto urbano. Já as florestas plantadas em silvicultura, podem representar um mercado de US$ 15 bilhões em 2030 e US$ 35 bilhões em 2040.

Créditos de carbono

Para a McKinsey, o Brasil tem condições privilegiadas para desenvolver um “mercado vibrante de créditos de carbono voluntários”. A demanda interna potencial é de 90-220 MtCO2eq em 2030. Além disso, o Brasil concentra em seu território cerca de 15% das soluções climáticas naturais potenciais para abater ou sequestrar carbono da atmosfera. É o país com o maior potencial do mundo nessa área, podendo gerar entre 1,2 e 1,9 GtCO2eq, com aproximadamente 80% associados a projetos de restauração florestal em pastagens degradadas.

“Além desse imenso potencial, o custo brasileiro para desenvolver e implementar projetos para obter créditos de carbono de alta qualidade e integridade é menor e mais competitivo que a média global, com retornos mais atrativos se comparados com as atuais atividades econômicas, especialmente a pecuária extensiva em pastagens degradadas”, relata o documento.

Gargalos

Cada uma das três frentes têm suas dificuldades e desafios para crescer, mas, para Henrique Ceotto, sócio da consultoria e um dos autores do relatório, tecnologia não é um problema, já que temos a maioria das necessárias para escalar essas oportunidades, uma boa notícia.

O que falta para o país e as empresas, em especial, caminharem mas rápido nessas vertentes até 2030 são outras questões. “Podemos facilitar se tivermos clareza regulatória, mecanismos de garantia de demanda, como os market makers, e bons projetos [especialmente para mercado de carbono] para atrair investimentos”, diz.

Ele explica que “dinheiro não é um problema” para as iniciativas, e ele virá de diversas formas, como investimento direto, instrumentos para economia verde, financiamento bancário e acordos bilaterais de cooperação. “A realidade para a economia verde é que ela é colaborativa, é difícil uma empresa fazer isso do início até o fim de um processo”, aponta.

“O país vive uma excepcional oportunidade para promover desenvolvimento socioeconômico sustentável e de alto impacto em regiões socioeconômicas não beneficiadas”, disse o executivo. Ele acrescenta que essas cadeias são, porém, algumas das possíveis frentes de oportunidades para o país, as quais tiveram condições de avaliar no detalhe. “É importante que governos, associações de classe e empresas vejam essas oportunidades e tracem condições para que isso floresça”, finaliza Ceotto.

Fonte: Valor
Seção: Indústria & Economia
Publicação: 04/11/2022