China é a grande vilã em maior evento sobre aço no Brasil: ‘impossível competir’

China é a grande vilã em maior evento sobre aço no Brasil: ‘impossível competir’

O 34º Congresso do Aço, maior evento da siderurgia nacional, foca no Brasil, mas tão citada pelos palestrantes quanto o próprio país é a China. O país asiático surge, nos discursos, como uma ameaça ao setor e à toda a cadeia industrial do Brasil e de outros países. 

Ela foi protagonista na conferência magna do presidente do Grupo Techint, Paolo Rocca, sobre a geopolítica do setor. O grupo ítalo-argentino estende-se por uma série de setores e inclui a Ternium, empresa que controla a Usiminas. Ao redor do mundo, o grupo fatura US$ 40 bilhões de dólares por ano e emprega diretamente cerca de 100 mil pessoas.

“A China não é uma democracia, mas um sistema de governo autoritário e centralizado, com capacidade de alocar recursos para diferentes setores de economia com base na conveniência estratégica. Competir com a China nos últimos 30 anos tem sido impossível por várias razões”, afirmou, em seu discurso para um auditório cheio com alguns dos maiores líderes da siderurgia brasileira. Subsídios do governo chinês à produção têm levado a uma “enxurrada” de produtos em outros países sob um custo mais baixo que o nacional, argumentam os empresários.

Rocca defendeu uma tática de reshoring da indústria, isto é, incentivo à produção industrial nos próprios países de origem da matéria-prima.”No Brasil, o consumo de aço é de 130 kg per capita por ano. Isso não é nada no contexto mundial. O que se passa na América Latina? Os países desenvolvidos têm um consumo duas vezes maior. A China, cinco a seis vezes maior. Nossa indústria e toda a cadeia de valor têm um mercado estagnado. Esta é a imagem de um fracasso coletivo que tem tido consequências muito graves. Governar um país com baixo crescimento é muito complexo e traz consequências muitas vezes negativas”, reforçou.

Nesse cenário, na perspectiva dele, há espaço para alinhamento dos países latino-americanos a outros atores ocidentais e um afastamento da China — hoje, uma das maiores parcerias comerciais do Brasil. “A indústria siderúrgica pode competir sem medo com os blocos econômicos do mundo ocidental. Com a China, não é possível”.

“Isso não é uma exportação da empresa X, mas uma política do Estado chinês que vale para tudo. Para blusinha, automóvel... É uma política chinesa. O mundo está utilizando suas defesas comerciais. Quem não estiver vai sofrer como sofremos aqui”, complementou o presidente-executivo do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello.

Os chineses também estiveram na fala de representantes do governo federal. Em um painel sobre mudanças climáticas, o secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria enfatizou a pegada de carbono do aço chinês. “O mercado internacional tem sido impactado pelo excesso de aço chinês, que entrou no país com uma pegada de carbono significativamente maior. A nossa é de 1,7 tonelada de CO?2; por tonelada de aço. O chinês apresenta pelo menos 2 toneladas. O nosso aço já é mais verde do que o da China e do que a média global, de 1,8 tonelada”.

A China deve exportar cerca de 60 milhões de toneladas de aço neste ano, segundo estimativa da CRU, empresa de análise de mercado presente no congresso. A América Latina está do outro lado da balança, com necessidade de importar de 20 milhões de toneladas.

Hoje, a siderurgia vive um momento de relativo alívio após o governo federal atender a um pleito que vinha fazendo há meses: o aumento dos impostos sobre o aço importado. O alto volume de aço estrangeiro, especialmente chinês, que vinha entrando no país abalou o faturamento e a produção da siderurgia nacional, segundo as principais empresas do setor. O aumento da taxação, anunciado em abril, abrange apenas parte dos produtos à base de aço e só começa a valer quando o volume de importações atinge um patamar mais do que 30% superior à média do  período entre 2020 e 2022. Com isso, a expectativa do setor é que as importações do aço caiam 7% em 2024.  

Descarbonização pode aumentar preço do aço em 80%

A produção de aço precisa inverter sinais para cumprir as metas de descarbonização do Brasil e do mundo. Hoje, cerca de 98% do aço produzido no mundo não é considerado verde, isto é, com a menor emissão de CO?2; possível. O cenário precisa ser radicalmente diferente nos próximos anos, defendeu a analista da CRU Thais Terzian: “para cumprir as metas do Acordo de Paris, 100% da produção precisaria de ser aço verde em 2050”.

A produção exige, por exemplo, adaptação dos alto-fornos siderúrgicos, as estruturas milionárias que produzem aço em grande parte da metalurgia brasileira. “Muitos têm dez, 15 anos de vida útil. Esse investimento será jogado fora pela descarbonização?”, questionou Terzian.

A previsão da CRU é que o preço do aço aumente 80% até 2050. “É a única forma de remunerar o investimento da descarbonização”, pontuou a analista da empresa. Ela ponderou, contudo, que na prática isso significa preços que não seriam absurdos do ponto de vista da indústria.

“Certamente, começaremos a ver cada vez mais mercado para o aço de baixa pegada de CO?2;. É preciso termos medidas de comércio justo do aço, a indústria produzir um produto verde e um consumidor, na ponta disso, remunerar minimamente esse custo”, arrematou o conselheiro do Instituto Aço Brasil e diretor presidente da Aperam South America, Frederico Ayres Lima.

Fonte: O Tempo
Seção: Siderurgia & Mineração
Publicação: 07/08/2024