Brasil importa da China ‘modernidade’ e ‘miudezas’

Brasil importa da China ‘modernidade’ e ‘miudezas’

Entre os dez produtos que a China mais exporta para o mundo, o Brasil está entre os dez principais clientes em dois: painéis solares e miudezas vendidas por e-commerce. Itens que mostram duas facetas importantes da China, apontam economistas. Uma, da segunda maior economia do mundo, líder em equipamentos de tecnologia desenvolvida no radar das energias renováveis, um dos temas mais caros do mundo atual. A outra, a do país asiático que o brasileiro conhece desde o início dos anos 90 pelos artefatos que é capaz de produzir de forma competitiva e que agora chegam cada vez mais via plataforma digital.

Os dois itens importados refletem também dois fenômenos brasileiros muito atuais. Um, da corrida pela geração distribuída de energia solar, parte dela para aproveitar vantagem tarifária. Outra, a do hábito mais intenso de comprar pela internet, inclusive pelo e-commerce transfronteiras, no qual despontam sites chineses como Aliexpress e Shopee.

Dos dez produtos que os chineses mais exportaram ao mundo de janeiro a setembro, o sexto item foram células voltaicas montadas em módulos ou painéis, de acordo com dados da Administração Geral de Alfândegas da China (GACC, na sigla em inglês). Do total de US$ 33,72 bilhões que a China embarcou em painéis solares no acumulado até setembro, US$ 3,85 bilhões - o equivalente a 11,4% - foram destinados ao Brasil, o segundo maior comprador do item, atrás somente da Holanda.

Também de janeiro a setembro, os “artigos de pequeno valor com procedimento aduaneiro simplificado”, registrados pelo governo chinês sob código 9804, foram o sétimo item mais exportado pela China ao mundo, no valor de US$ 25,3 bilhões. Para o Brasil vieram US$ 878,14 milhões e, a despeito de um câmbio não tão favorável para as importações brasileiras, o país ficou em oitavo dentre os dez maiores clientes da China nesse tipo de mercadoria.

Segundo a Câmara Chinesa de Comércio do Brasil, o código 9084 abrange produtos de uso pessoal adquiridos por comércio eletrônico que chegam ao país por courier, via transporte aéreo. Compras por e-commerce de produtos made in China, porém, podem ser registrados em outros códigos, conforme modal, valor e tamanho dos produtos, entre outras características.

Ainda dentro das exportações chinesas, o Brasil também tem desempenho relativamente bom em outros itens, como partes e acessórios de itens de informática. Esse é o oitavo item mais vendido pela China ao mundo, e os brasileiros estão em 14 º lugar no ranking dos maiores compradores.

“Os dados mostram na verdade uma dicotomia entre a China dos anos 2000, das miudezas da loja de R$ 1,99, que ainda povoa o imaginário popular, e a China do fim desse primeiro quarto de século”, diz Livio Ribeiro, sócio da BRCG e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). O país asiático, diz, continua produzindo as miudezas, embora o avanço tecnológico tenha alterado a plataforma de comercialização. “Há quem compre lâmpadas em sites externos.”

Para Welber Barral, sócio da BMJ Consultores, a importação das miudezas chinesas reflete o grande mercado consumidor brasileiro que, depois da pandemia, aderiu mais às compras on-line e à facilidade de acesso a produtos mais baratos fortemente alardeada pelas campanhas de marketing das plataformas chinesas.

A produção de miudezas, porém, diz Ribeiro, vem diminuindo de peso dentro da estrutura chinesa de produção. “Porque a China tem uma meta estratégica de elevação na cadeia de valor que, em muitos aspectos, é induzida ou favorecida pela atuação estatal.” Ele explica que hoje há um processo de internacionalização da China, com produção de artefatos em grande escala cada vez maior comandada por companhias chinesas, mas com fabricação em outros países asiáticos com custo de produção unitário mais barato.

“Já o painel solar é fruto de políticas de promoção de produção chinesa, que remontam a meados da última década, quando houve um dirigismo estatal bastante específico para aumentar fortemente a produção de setores julgados como estratégicos”, diz Ribeiro. Há um debate muito grande sobre os preços praticados nessa comercialização de painéis solares, diz, já que há grande oferta existente não somente para a própria demanda chinesa como para a global. “Mas isso não muda o fato de os produtos terem combinação de qualidade e preço que é muito vantajosa. Sempre que você tem algum repique de demanda por produtos como esses no mundo, a oferta chinesa vaza porque é disparado o produtor de menor custo marginal e que tem excesso de oferta.”

Nos números de comércio brasileiro divulgados pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex/ME), as importações de painéis solares também ganham espaço. Dados de janeiro a outubro mostram que as placas fotovoltaicas alcançaram US$ 4,27 bilhões em importações made in China, mais que o dobro do US$ 1,69 bilhão comprado em iguais meses do ano passado. A fatia dos painéis solares sobre as compras externas brasileiras de produtos chineses avançou de 4,4% para 8,4% do ano passado para 2022, sempre considerando os mesmos dez meses.

O que também tem incentivado essa importação, diz Barral, são os ex-tarifários concedidos a alguns painéis solares. O benefício, que trata de redução temporária da alíquota do imposto de importação, é estabelecido para bens de capital sem similar nacional. Outro aspecto que tem incentivado essa demanda, aponta, veio da Lei 14.300/2022. “Muitos equipamentos solares têm sido destinados às grandes usinas, mas há também a corrida provocada por essa lei”, diz Barral. Segundo a lei, consumidores interessados na energia distribuída de fonte solar devem pedir o acesso à rede da concessionária até o dia 6 de janeiro para garantir um subsídio tarifário até 2045.

O que torna a China grande fornecedor do Brasil, num espectro que vai das miudezas fabricadas em grande escala aos painéis solares, diz Ribeiro, está ligado a um processo de redução da participação relativa dos empregos industriais e do valor adicionado da indústria no PIB. “Trata-se de um processo global. Na América Latina e em algumas economias emergentes há um debate de que essa desindustrialização não resultaria de natural migração para o setor de serviços, que faria o tamanho da indústria diminuir.” Há diagnósticos diversos sobre o processo, mas o fato é que a indústria brasileira tem perdido tamanho e sofre competição de matrizes industriais externas que produzem a custos mais baixos, aponta Ribeiro.


Fonte: Valor
Seção: Indústria & Economia
Publicação: 09/11/2022