Atraso no crédito afeta pequenos produtores

Atraso no crédito afeta pequenos produtores

O agricultor Júlio César Trevisan, de Dilermando de Aguiar, na região central do Rio Grande do Sul, aguardava a liberação dos recursos do novo Plano Safra para comprar os insumos necessários para o plantio de soja. Por enquanto, ele segue na espera. Com o atraso na definição sobre as linhas de crédito rural com subvenção - que representam um terço do Plano Safra 2022/23, que prevê R$ 340 bilhões ao campo -, ele agora pretende reduzir a aplicação de insumos e aceitar que terá produtividade menor nos cerca de mil hectares que deve semear. “Não posso reduzir a área por causa de compromissos que já assumi”, diz. “O produtor é, como sempre, o que mais contribui e o que menos se beneficia neste país. É difícil”.

O atraso na definição sobre a oferta de crédito rural com subsídio em 2022/23 não chega a ser um problema incontornável para os grandes produtores de grãos do país, responsáveis diretos pelos sucessivos recordes de produção e exportações do agronegócio brasileiro, já que eles conseguem se financiar de outras formas. São os pequenos e médios produtores os mais afetados, como atestam relatos como o de Trevisan.

Em Mato Grosso, Estado que virou sinônimo de agricultura de larga escala para exportação, os grandes produtores admitem que a demora não chega a afetá-los. Já os pequenos lamentam. “O crédito está atrasado. A maioria dos produtores ligados à entidade enfrenta dificuldades para acessar recursos”, diz Reginaldo Gonçalves Campos, presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Mato Grosso (Fetagri-MT).

O Plano Safra 2022/23 entrou em vigor em 1º de julho com a previsão de oferecer R$ 115,8 bilhões em recursos equalizados. Desse total, mais de R$ 35 bilhões serão para operações de custeio e investimentos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Isso significa que, sem a liberação, ainda pendente de trâmites no Congresso e no governo (leia mais abaixo), simplesmente não há oferta de crédito subsidiado para os pequenos produtores, que acessam essas linhas.

“Em Mato Grosso, toda vida foi essa dificuldade. A maioria dos produtores não consegue ter acesso [aos recursos]”, conta Eliane Barros, que, como funcionária do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Campo Verde, acompanha os relatos dos produtores de pequeno porte do município, localizado a 130 quilômetros de Cuiabá. “Eles [o governo] lançam um valor, mas quando chega aqui embaixo, a realidade é bem diferente”.

No caso da soja, carro-chefe do agronegócio brasileiro, qualquer dia de atraso acentua o risco de o produtor ter prejuízo. A guerra na Ucrânia limitou a oferta de insumos como os fertilizantes, como tem informado o Valor. Com menos adubo, o volume que existe é insuficiente para todos os interessados. Quem tem acesso a crédito consegue comprar antes ou negociar melhor os preços. Quem não tem, reduz as aplicações ou fecha negócio oferecendo a produção em troca de insumos por preços que nem sempre são os ideais. A depender do comportamento das cotações na temporada, o produtor pode perder dinheiro.

A demora para a definição sobre o subsídio ao crédito rural é inédita. “Em 2022, já temos meio ano de atraso no Pronaf. Isso nunca tinha acontecido”, relata Marcos Rochinski, coordenador-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (Contraf Brasil). Ele faz menção ao congelamento das linhas do crédito rural, por falta de recursos, que o Tesouro determinou em fevereiro. O Pronaf não foi o único programa afetado, mas é, proporcionalmente, o que mais depende desses recursos.

O fato de o atraso do crédito rural subsidiado ter impacto mais forte sobre pequenos e médios produtores rurais não faz desse um problema secundário. Afinal, se não é o bastião de defesa dos saldos da balança comercial brasileira, a agricultura familiar gera cerca de 80% dos empregos no campo e assegura a oferta de 60% da oferta de alimentos no mercado interno.

Remi Beck, que produz leite e grãos em Augusto Pestana (RS), é um dos muitos produtores que seguem à espera de recursos subsidiados para a safra. “Não pode atrasar tanto”, afirma. “A natureza não perdoa. Quando chega a hora de plantar, tem que plantar”.

Fonte: Valor
Seção: Máquinas & Agro
Publicação: 12/07/2022