Análise: Aumento de incerteza fez Copom mudar sinalização para os juros

Análise: Aumento de incerteza fez Copom mudar sinalização para os juros

O aumento da incerteza no cenário inflacionário, devido a fatores domésticos e externos, está por trás do encurtamento da indicação do Banco Central de cortes de juros de 0,5 ponto percentual, que agora se aplica apenas à próxima reunião, e não mais às duas reuniões seguintes.

Uma boa notícia é que, conforme já havia sido antecipado por membros do Comitê de Política Monetária (Copom) em pronunciamentos recentes, não houve mudança substancial no cenário básico para a inflação e, portanto, nas grandes linhas da condução da política monetária.

Isso significa que os cortes de juros que estavam planejados pelo Copom em janeiro – ainda que não sejam conhecidos de forma exata – seguem valendo.

Outra boa notícia é que, a despeito do aumento das incertezas, o balanço de riscos para a inflação, aparentemente, segue simétrico. O comunicado, pelo menos, não diz explicitamente que tenha mudado para o lado negativo.

O que colocou o Copom um pouco na defensiva, limitando o horizonte de sinalização de cortes de juros a uma reunião apenas, é o aumento da incerteza, num ambiente de simetria de riscos.

Aparentemente, o Copom está vendo riscos aumentados dos dois lados.

À primeira vista, parece um pouco estranho esse ambiente em que os riscos dos dois lados aumentaram, já que as notícias mais recentes pareciam todas terem um viés um pouco mais negativo. Mas, para manter a coerência com o que o Banco Central disse sobre o balanço de riscos – que é simétrico – as duas caudas na distribuição de riscos precisam ter aumentado na mesma proporção.

Da reunião de janeiro para cá, o mercado ficou um pouco mais arisco com a política monetária americana (ainda que, ontem, a notícia tenha sido positiva), com a atividade econômica mais forte e com a maior pressão na inflação dos serviços mais dependentes da atividade econômica.

Como esses fatores encaixam na avaliação do cenário central do Banco Central e no balanço de riscos para a inflação?

No cenário central, o essencial não muda. A projeção de inflação para 2024 segue em 3,5%. Mais importante, a projeção para 2025, que ganha 100% do foco da política monetária a partir de maio, seguiu em 3,2%. A projeção é corroborada de uma forma mais qualitativa pela frase do comunicado que diz que “o comitê avalia que o cenário-base não se alterou substancialmente”.

Na sua descrição do cenário econômico, o colegiado dá mais alguns detalhes de sua visão sobre os dados mais recentes. Chama a atenção o colegiado repetir a mesma avaliação do comunicado anterior sobre a atividade econômica: “o conjunto dos indicadores de atividade econômica segue consistente com o cenário de desaceleração da economia antecipado pelo Copom”.

E como ficam as surpresas no setor de serviços, comércio e Caged que pressionaram o mercado financeiro na semana passada? Não mudaram o cenário básico, mas é possível que tenha aumentado o ambiente de incerteza – não exatamente sobre a atividade, mas sobre o grau de ociosidade. Voltaremos a esse ponto mais adiante.

Na descrição sobre a inflação, houve mudança. Até janeiro, o Copom dizia que “a inflação cheia ao consumidor, conforme esperado, manteve trajetória de desinflação, assim como as medidas de inflação subjacente, que se aproximam da meta para a inflação nas divulgações mais recentes.”

Quando foi divulgado em janeiro, esse trecho foi um alívio. Os índices de inflação divulgados a partir do fim de dezembro vieram mais salgados do que o esperado. A mensagem do Copom, em janeiro, era reconfortante, ao dizer que, apesar do repique, vinha dentro do esperado.

No comunicado de março, o Copom tirou o “conforme o esperado” e fez uma descrição menos favorável. “A inflação cheia ao consumidor manteve trajetória de desinflação, enquanto as medidas de inflação subjacente se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes.”

No cenário internacional, o BC fez ajustes no texto, destacando debates nos seus pares de países desenvolvidos sobre início de flexibilização e tempo que a inflação vai demorar para cair. Mas a descrição central do cenário internacional ficou intacta: “segue exigindo cautela por parte de países emergentes”.

Não houve grandes mudanças no cenário central porque, afinal de contas, a decisão do Copom de encurtar a indicação futura do juro tem a ver com incertezas. E quem quer explorar o que, de fato, mudou nas incertezas deve examinar o balanço de riscos para a inflação.

Nele, tem apenas um item que fala sobre o ambiente doméstico: o risco de a inflação superar o projetado em virtude de “uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado”.

Esse é um risco que junta todas as preocupações recentes do mercado. De um lado está inflação de serviços, que tem dado sinais ambíguos, para pior e para melhor. E o outro ponto é o grau de ociosidade da economia, que o BC chama de hiato do produto.

É um tema mais amplo que apenas atividade econômica: inclui, por exemplo, discussões sobre o lado da oferta e problemas de mensuração depois da pandemia, para citar dois fatores indicados pelo BC.

A incerteza internacional tem a ver, claro, com preocupações sobre se a inflação nos Estados Unidos vai cair rápido, abrindo caminho para a o BC americano cortar os juros.

E, o que tudo isso significa para a política monetária? Num ambiente de incerteza, o Banco Central tende a caminhar com mais cautela nos juros, com movimentos menores.

Isso exclui a chance de um corte de 0,5 ponto dentro de duas reuniões, em junho? Vai ser preciso ver o comunicado. Os sinais são ambíguos. O cenário básico admitia a possibilidade de baixar 0,5 ponto percentual, e o cenário básico não mudou.

Fonte: Valor
Seção: Indústria & Economia
Publicação: 21/03/2024